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Roberta Zerbini - Organika
Certa vez, o poeta Manoel de Barros disse: "não gosto da palavra acostumada", atenta aos sinais, a cantora e compositora paulista Roberta Zerbini captou o recado. A partir disso, desenvolveu método particular de se traduzir tendo como start inicial a palavra, as palavras. Remodeladas, passaram a preencher canções, trabalhando em prol da música.
Organika, seu primeiro disco, nasceu graças a financiamento coletivo no Catarse (financiado em dez de abril de 2013), caso comum nos tempos de hoje onde o fã vira amigo, viabilizando projetos assim. Thiago Nassif, músico e conterrâneo de Roberta, produziu o álbum, assinando também a maioria dos arranjos e tocando diversos instrumentos nas 12 faixas, dessas, oito são assinadas solitariamente por Roberta, duas com Lô Medeiros e as últimas duas com Felipe Borim. Dando mais identidade e consistência a sua estreia, Roberta assina diversos arranjos das canções e toca piano e metalofone. É moça prendada nas artes musicais.
O belíssimo design gráfico de Victor Maluhy, com Roberta toda cheia de argila colorida no rosto, fotografada por Lila Batista, dá o tom estético do que ela é como artista: contemporânea ligada ao seu tempo, dona de voz com beleza sutil (e é difícil extrair beleza da sutileza). Durante a audição do disco, o ouvinte se depara com cantora que sabe usar bem seus recursos vocais, compensando a falta de grande extensão. Em tempos de control C control V do cantar americano, com doses exageradas de floreios, Roberta é deliciosa surpresa.
Com arranjo, piano e voz da própria Roberta, "Negro Pássaro" (Roberta Zerbini) já começa mostrando o estilo objetivo de compor da artista. A letra funciona como crônica urbana da vida nas grandes capitais: "auto center, auto centro, auto centramento, chuva cai na minha cara, para parabrisa pára, querem controlar minha velocidade rara". A flauta, instrumento que goza de pouca popularidade no Brasil, dá toque diferenciado ao andamento da canção (executada por Bira Nascimento). A percussão de Guegué Medeiros vai se destacando ao longo da audição.
"Baião de Lua" (Roberta Zerbini) tem letra que lembra a obra de Zé ramalho: "mas a luz que incidia fazia a menina do sono tranquilo querer despertar, e sair pela rua vestida de branco gingando seu corpo lar de paixão". A percussão de Guegué Medeiros faz belo casamento com o piano de Roberta e Miguel Zerbini (pai dela).
O violão de Felipe Borim abre os trabalhos de "Peixe" (Roberta Zerbini e Lô Medeiros), música que dialoga com as canções praieiras de Dorival Caymmi. A percussão mais forte marca mudança de andamento que torna a canção mais interessante. Ao vivo deve crescer bastante.
Canção de ninar com garrafas sampleadas de Thiago Nassif? É o que temos em "Iansã" (Roberta Zerbini). A interpretação delicada serve como afago. O arranjo de cordas de Guto Viegas termina por dar tom sombrio a essa faixa estranhamente deliciosa.
Em "Barrigão" (Roberta Zerbini) notamos que Roberta trata-se de artista que sabe o que quer e como quer, sem enrolação, direto ao ponto. A letra dessa canção (curta, com 45 segundos) sugere de forma poética a maternidade: "barrigão, centro do mundo, onde estou eu? Minhoca da mata". O arranjo, a cargo de Roberta e Thiago Nassif, segue a premissa do velho clichê "menos é mais": Apenas metalofone e voz. E isso basta.
Melhor canção do disco, "Penseira" (Roberta Zerbini e Lô Medeiros) é envolta em meio a efeitos sonoros de Victor Sordenberg, e é onde Roberta se solta mais ao cantar, fazendo-o com mais força. A letra, muito bem elaborada, é recheada de boas sacadas: "e sei, o dia não pode esperar que eu o prenda entre as coxas". Soma-se a isso o teclado de Salomão Soares conferindo ares psicodélicos.
Somente com piano de Luciano Garcez (e arranjo do próprio), "De Dentro" (Roberta Zerbini) é outra canção econômica que mostra que Roberta sabe trabalhar com pouco. É impossível não lembrar da cantora cearense Amelinha ao nos depararmos com a letra: "discretamente descanso do descaso, divirto-me devotamente, dissolvo destroços dinâmicos, dou descência desabrocho".
A guitarra de André Bordinhon já empolga de primeira em "Presente Chinês" (Roberta Zerbini). Mesmo quando canta mais alegre, a voz preserva a melancolia particular. Faz o ouvinte querer ser feliz, injeta ânimo. É canção pop bem construída, poderia estar em trilha de novela.
Com letra cortante, que atropela ouvidos e coração (fossa das boas), "Eu Atropelo Borboletas" (Roberta Zerbini) pede uma cantora com grandes recursos vocais e arroubos dramáticos. Nessa faixa, a compositora ganha da cantora.
Canção que dá nome ao disco, "Organika" (Roberta Zerbini e Felipe Borim) recebeu violão sutil do parceiro de composição. A estrutura melódica e letra remetem a Adriana Calcanhotto. Mais uma vez a percussão preenche o arranjo de maneira inteligente. Faixa gostosa, sedutora, fica na cabeça.
Em "Hora da Mão" (Roberta Zerbini), bem mais nessa faixa em especifico, percebemos o quanto Roberta deve ser fêmea bem resolvida no campo amoroso: conta as dores de maneira concisa para depois cantá-las levemente, a arte imita a vida? A letra, das melhores que compõem esse disco, atravessa ponte em direção ao fantástico mundo de Arnaldo Antunes. O arranjo reforça a leveza, a coisa solar.
Agora em versão instrumental com arranjo e violão de Felipe Borim, "Eu Atropelo Borboletas" (Roberta Zerbini e Felipe Borim) mostra a importância e real valor do acompanhamento instrumental para a artista, afinal, nesse quesito fica evidente que Roberta sabe a necessidade de ter músicos que brilham, reforçando suas intenções como cantora, esperta, a garota brilha em conjunto.
Escute o CD aqui:
1º Negro Pássaro
2º Baião de Lua
3º Peixe
4º Iansã
5º Barrigão
6º Penseira
7º De Dentro
8º Presente Chinês
9º Eu Atropelo Borboletas
10º Organika
11º Hora da Mão
12º Eu Atropelo Borboletas
(instrumental)
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