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Mônica Salmaso

“Alma Lírica Brasileira” (2011) não é apenas o título do último disco de estúdio da cantora paulista Mônica Salmaso. Talvez seja a frase que mais chegue perto da definição do que ela vem fazendo na história da música universal brasileira: traduzindo a essência da nossa música tupiniquim, servindo como ponte entre a arte e o público, afunilando o que de melhor pode se usar do Brasil em termos musicais.

Em 1989 deu o start a sua carreira participando da peça “O Concílio do Amor”, dirigida por Gabriel Villela. Sete anos depois, chegava ao mercado o seu primeiro disco, “Afro-sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes”. Sobre ele, ela afirma: “este 

disco era a coisa mais segura que poderia ter me acontecido”. Sua discografia conta com um DVD (e outro a caminho), nove discos, muitas participações especiais em álbuns de diversos artistas, e antes de tudo isso, uma entrega corajosa para navegar nos mares da música.



Mesmo com tantos anos de carreira, Mônica ainda necessita da música, tão vital para ela como o ar que respira. Afirmação mais do que comprovada quando ela nos revela seus planos para o futuro: “um CD dedicado a parceria do Guinga com o Paulo César Pinheiro, da qual eu já gravei Saci e Senhorinha”. É bom saber que temos uma artista como ela na praça. Sua voz é um belo contraponto a selva de pedra da capital paulista, como se fosse um sopro de vida.


Na entrevista a seguir, falamos da única vez em que uma música sua fez parte de trilha de novela, da necessidade de se registrar os seus shows em DVD, sobre música elitista e como em um belo dia ela se surpreendeu quando foi fazer um show em Belém do Pará e todo mundo conhecia o trabalho dela. Também falamos sobre a música paraense e alguns artistas desse Estado, como o Waldemar Henrique, do qual afirma: “sou encantada com as canções do Waldemar Henrique”. Fora isso, falamos de muitos outros assuntos. Quer saber de uma coisa? Passo a bola para a própria Mônica. Caro leitor, você irá se divertir e aprender com ela. Boa leitura.

 

Você gravou pela primeira vez em 1995 no álbum infantil “Canções de ninar”, do Paulo Tatit e da Sandra Peres. Já passava pela sua cabeça exercer o ofício de cantora? Essa experiência, de alguma forma, te impulsionou ao canto?



























 

Eu já tinha decidido que queria ser cantora. Estava fazendo

aulas de canto quando este convite apareceu.

Em 1996, você gravou junto com o grande Paulo Belinatti o disco “Afro-sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes” que saiu pelo selo Pau Brasil: é um disco conceitual ousado. E o povo brasileiro não está acostumado com isso, seja pela cultura de “artistas” que batem ponto em programa dominical de auditório, seja pela necessidade de reeducação musical. Você não ficou com medo dele  não ser bem aceito ou passar batido?

























Ao contrário, este disco era a coisa mais "segura" que poderia ter me acontecido. Eu naquela altura não tinha um trabalho próprio e estava cantando com o Eduardo Gudin no grupo “Noticias dum Brasil”. O Gudin propôs levar para a gravadora Velas (que era quem estava lançando o CD dele) um projeto para um disco meu solo. Eu disse a ele que não tinha um trabalho para gravar e não iria fazer alguma coisa correndo. Foi dele a ideia de eu gravar os Afro Sambas com o Bellinati. Eu aceitei na hora porque este projeto, com seu repertório já fechado (as músicas são fechadas dentro do que o Baden e o Vinicius nomearam como Afro Sambas), era muito seguro pra mim, eu estava incrivelmente bem acompanhada e poderia seguir adiante com liberdade de escolher o que eu quisesse seguir cantando. E foi o que aconteceu.



Nesse mesmo ano, você gravou a música “Chovendo na roseira” (Tom Jobim) que foi tema da novela “Colégio Brasil” exibida pelo SBT. As suas músicas não costumam integrar trilhas de novelas. Como isso aconteceu?

Não faço a menor ideia! (risos) Eu gravava alguns jingles para uma produtora e ela fez a trilha desta novela, foi assim. E foi só esta vez...



Ainda falando sobre novelas: de uns tempos para cá, as músicas incluídas nos CDs delas geralmente são de um tom populista bem duvidoso, executadas por “artistas” extremamente populares. Para uma cantora, ter uma música inclusa numa novela, representa o que? Lembrando que mesmo você não tendo músicas em novelas, o seu público é fiel e acompanha a sua carreira...

Essa é uma questão complexa. Resumindo muito, ter uma música em uma novela é o alcance maior e mais popular que um artista pode ter no Brasil e isso pode ser bom, se ele souber entender isso sem ter seu trabalho unicamente dependente dessa veiculação. Quantos grandes sucessos de novelas desapareceram completamente? O problema não é a novela. O problema é a carreira do artista depender unicamente de novelas pra existir, sem formação de público real, sem história. Esse é o problema.

“Trampolim”, seu segundo disco (e primeiro solo), foi lançado em 1998. Nele você canta “Foi bôto sinhá”, composição do paraense Waldemar Henrique em parceria com Antônio Tavernard. Como sou natural de Abaetetuba (PA), fiquei curioso: como você chegou a uma canção do repertório dele? Como foi gravá-la?

































Eu AMO esta música e sou encantada com as canções do Waldemar Henrique. Quando eu era criança, minha mãe me ensinou o Uirapuru que ela aprendeu cantando na escola (havia ensino de música e estas canções eram ensinadas...). Depois, quando eu estava já interessada por música, eu conheci a coleção de discos "Marcus Pereira". No volume “Música Popular do Norte 3”, tem algumas das canções lindas do Waldemar Henrique e "Foi bôto Sinhá" está entre elas, gravada pela Jane Duboc, muito novinha, voz linda, que naquela altura assinava como Jane Vaquer. É um disco lindo.

Já que falamos do Estado do Pará: você conhece o trabalho de alguma cantora de lá? Se não conhece, creio que você se interessaria pelo trabalho da Iva Rothe. Vejo semelhanças nos trabalhos de vocês duas.

Obrigada, vou procurar saber. Fico muito chateada porque nós, em São Paulo, ficamos ilhados em relação à produção musical das outras regiões do Brasil. Só temos acesso ao que acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro. Quando eu fui pela primeira vez para Belém, tomei um susto! O show estava lotado e as pessoas conheciam meu trabalho. Fiquei muito emocionada e envergonhada por conhecer pouco da produção de lá.



No ano de 1999 você ficou no primeiro lugar do Prêmio Visa de MPB – Edição Vocal, tendo como prêmio a gravação do seu terceiro disco, “Voadeira”, considerado pela crítica especializada como um dos dez melhores do ano e ganhando o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Nesse mesmo ano, esse disco e o “Trampolim” foram lançados na América do Norte, Japão e Europa. Analisando atualmente, como você vê esse disco? Por quais motivos você acha que ele despertou o interesse do público do exterior?





























Isso a gente não consegue muito saber. A gente faz os discos querendo que eles sejam ouvidos e aceitos, mas quando eles são lançados, eles ficam "independentes da gente", tem sua trajetória, sua história... Eu gosto muito deste CD porque ele foi um CD onde eu estava começando a entender como funcionava uma carreira, estava ficando mais segura e isso era muito bom. Estava também trabalhando com músicos muito bons (no meu trabalho solo e no grupo Orquestra Popular de Câmara) e essa foi uma fase muito importante e rica pra mim.

 

 

“Iaiá”, seu terceiro disco solo, lançado em 2004, marcou a sua entrada na gravadora Biscoito Fino. Depois de lançar os discos anteriores por selos diferentes, o que a levou a essa gravadora e como foi essa transição?



Foi bonito. A Biscoito Fino estava começando com uma visão e uma proposta maravilhosas; que entendia exatamente o tipo de carreira e CDs que eu vinha fazendo. Eles se identificaram comigo e me fizeram um convite muito bom para gravar três discos. A gente nunca "fechou" este contrato... Estamos hoje no nosso 7º lançamento, incluindo a distribuição por eles dos discos “Afro Sambas”,” Nem um Ai” e “Trampolim”, que foram feitos antes.

Um fato curioso sobre “Iaiá”: nele consta a sua regravação de “Onde ir” (Vanessa da Mata). Você quase nunca grava canções de artistas extremamente populares, visto que ela foi uma das poucas da geração dela a conseguir manter o respeito da crítica e ainda gozar de muita popularidade. Como você chegou a essa música? Qual a sua relação com a Vanessa da Mata?

A Vanessa morava aqui em São Paulo. Antes de lançar seu primeiro CD, chegou pra mim um CD demo com algumas músicas que ela estava trabalhando. Gostei muito de "Onde ir" e decidi gravá-la. Eu nunca penso, quando vou gravar um disco, na idade ou na popularidade das músicas nem dos compositores delas. Isso pra mim nunca foi um vetor de raciocínio ou um critério pra compor um disco. Eu escolho MÚSICAS, de qualquer idade ou compositor. E meu trabalho (o que me dá o maior prazer) é o de reunir um determinado grupo de músicas, para um determinado projeto que tem aqueles músicos escolhidos. Essa combinação é a minha "autoria", depois disso vem o prazer de cantar e de fazer aquelas músicas com aquelas pessoas e dividir este prazer com o público.



Uma última curiosidade sobre “Iaiá”: a faixa que o encerra, “Na aldeia” (Silvia Caldas, De Chocolat e Carusinho) conta a participação da cantora Teresa Cristina. Analisando a sua discografia, percebemos que você nunca conta com convidados cantando com você. Sendo assim, como surgiu essa parceria?






















Eu sempre tive um pouco de timidez para fazer estes convites. Nem no CD só com músicas do Chico Buarque ele foi "incomodado" (risos). Mas é meio assim mesmo. Sou tímida pra fazer estes convites. Felizmente eu consegui convidar a Teresa Cristina, que canta tão lindo, é uma amiga querida e eu sinto que a gente tem uma relação com o ato de cantar parecido, onde o importante é a música.

Em 2007 nasceu o seu primeiro filho, chamado Theo, que é fruto do seu relacionamento com o Teco Cardoso, flautista e saxofonista do Grupo Pau Brasil. Agregar o companheiro de vida ao seu ofício facilita a inspiração e ajuda no trabalho?

​No nosso caso, SIM. Éramos amigos há muitos anos, trabalhávamos muito juntos. Então, depois que nossa relação virou outra coisa, a intimidade musical só aumentou. É muito bom trabalhar com ele. Sempre foi.​

 

Continuando em 2007, temos o lançamento do disco “Noites de gala, samba na rua”, com músicas compostas sozinhas pelo Chico Buarque ou com parceiros. Chico Buarque escreve, as mulheres se derretem e se identificam, se veem nas composições dele. Antes de cantora, você é mulher.  Sendo assim, qual ou quais músicas dele retratam o seu sexo? Que você ouve e pensa assim: “nossa, sou eu na letra”.

 

Puxa, ele tem tantas músicas! Eu ouço o Chico Buarque seriamente desde criança. Tenho uma gigantesca identificação com as suas músicas, me sinto identificada nas músicas em que ele escreve com o "eu feminino" e me divirto muito com as músicas em que ele é cronista. Gosto de muitas coisas dele e teria repertório escolhido pra gravar, seguramente, mais uns cinco discos só com as suas composições. Foi um "aperto" fazer a escolha do repertório do “Noites de Gala”.



Mesmo sendo gravado em 2000, o disco “Nem 1 aí” só foi lançado em 2008. Por qual motivo?































 

Este foi um projeto especial. Em 2000 fui convidada para fazer um show no "Heineken Festival" e eles me pediram que fizesse um show inédito. Reunimos estes músicos e montamos este show especialmente para isso. Nos dias seguintes ao show, entramos em estúdio pra registrar este trabalho e este registro ficou guardado. Foi bacana fazer assim, mas foi um acontecimento "pontual" e especial. Em 2008 a Biscoito Fino se interessou em lançar o CD.



Estamos em 2008. Lançamento do registro do show “Noites de gala, samba na rua”. Gravar um disco, mesmo com os “truques” de computador, ainda continua custando caro. Um DVD é mais caro ainda. Você não teve vontade de registrar também alguns dos seus outros shows? O que você achou do resultado final do seu primeiro DVD?

Eu sempre tive vontade de registrar todas as formações de shows que eu fiz. Minha carreira sempre teve espaço para que eu fizesse projetos paralelos e eu gostaria de ter gravado e gravar todos, mas isso realmente depende de verba e, além disso, de uma organização no cronograma da carreira. O “Nem Um Aí”, que é lindo e eu adoro ter feito, foi lançado no meio do caminho do “Noites de Gala” e não teria jeito, ele seria lançado no "meio" de algum trabalho de todo modo... Isso é um pouco chato porque o trabalho fica diluído, sem a devida atenção. Mas que dá vontade de registrar todos estes encontros, isso dá. Quanto ao DVD, eu gosto dele. Estávamos em turnê, com o show quente, casas cheias. Foi bom de fazer.

A critica rotula a sua música como elitista. Tal rótulo é consequência das suas escolhas artísticas ou é apenas bobagem de uma suposta critica especializada que escora suas opiniões em rótulos vagos e cômodos?

Se elitista quiser dizer que tem uma qualidade diferenciada, eu não me importo com este rótulo, eu busco essa qualidade mesmo. Infelizmente nem todo teatro tem piano acústico, nem todo equipamento de som é de boa qualidade e a gente faz o possível pra levar sempre para o público o que houver de melhor. Mas, se elitista quiser dizer que é uma música "para poucos ouvintes", eu discordo completamente. Acho triste ver a indústria e muitas vezes até a imprensa pensar que a popularidade depende de uma linguagem fácil e padronizada. Acho isso criminoso. Desde que eu comecei a cantar, fiz shows para os públicos mais diversos e nunca senti que a música que eu faço é de difícil compreensão; pelo contrário. A arte e a beleza existem para todos, são necessárias para todos e deveriam chegar para todos em suas diversas formas - não só o que se pensa como sendo "o que o povo gosta". O povo é feito de gente e gente é muito mais complexo, diferente e cheio de emoções e histórias do que esta padronização oferece. O alcance fica, então, simplificado e diminuído. Isso pra mim é um crime igual a ter saúde pública ruim, educação escolar ruim. É oferecer ao público menos do que ele merece.

 

Dois trabalhos seus que não obtiveram o merecido reconhecimento estão entre os meus preferidos (sonoridade, letra, interpretação e originalidade). Os discos “Banda Mantiqueira & Mônica Salmaso – Com banda Mantiqueira e Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo” e “Concerto Antropofágico – Com grupo Pau Brasil e Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo”. Em sua opinião, o que eles representam na sua carreira?

 


 

Foram ambos convites que eu recebi da OSESP. Fazem parte da discografia da Orquestra. Me sinto muito honrada por estes convites que vieram do maestro Neschling e foi maravilhoso cantar com esta Orquestra e com os grupos convidados (Mantiqueira e Pau Brasil) que são, além de tudo, meus companheiros de trabalho em muitas ocasiões. Foram concertos lindos e muito emocionantes.



Em 2011 saiu o seu último disco de estúdio, “Alma lírica brasileira”. Além do título dele reforçar o que vens fazendo desde o início da sua carreira, ele salienta mais ainda a sua coerência artística, que também preserva a sua integridade como cantora. Depois de tantos anos de carreira, é difícil não ceder às armadilhas do mercado fonográfico?

 

No meu caso não. Tive a sorte de entender que a gente pode e deve optar, dentro das oportunidades que nos aparecem, tendo a consciência de nunca passar por cima da nossa natureza. E o caminho foi sendo feito assim. Tenho orgulho dele. Tenho orgulho do público que venho formando estes anos todos e de me sentir hoje segura do que eu faço. Isso é muito bom de se sentir.



Seu último lançamento é agora de 2012, “Alma lírica brasileira – Ao vivo”. O que esse disco tem dado a você? Está alcançando o que querias com ele?


Este CD é o áudio do DVD que está atrasado, mas na fábrica e deve chegar logo. Pra mim este CD existe no sentido de divulgar o DVD. Ele é um CD muito parecido com o CD de estúdio, com apenas algumas músicas diferentes, mas com uma performance geral mais legal, porque quando gravamos o CD em estúdio as músicas ainda não estavam muito tocadas pela gente. O áudio do DVD nos mostrou a diferença que faz o "tempo de estrada" dos arranjos. Isso é bom. E ver as fotos da gravação também são um presente extra.

Querida Mônica: o que vem por aí? O que podemos esperar do seu trabalho?

Eu tenho alguns projetos em mente. O mais urgente é um CD dedicado a parceria do Guinga com o Paulo César Pinheiro, da qual eu já gravei "Saci e Senhorinha", mas descobri um baú guardado de onde saíram mais de 20 músicas maravilhosas e que merecem a atenção de um projeto dedicado a elas. Este deve ser o próximo disco que está ainda nascendo.

 

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