top of page

Zezé Freitas

Certa vez, perguntei a Zezé Freitas quem a incentivou a ser cantora. Ela, caso típico de artista que é resultado direto e proporcional do meio em que viveu, me disse: “eu mesma que sempre cantei por todos os cantos em que andei, e minha mãe, naturalmente sem saber, cantando em diversas situações”.


Nascida a 19 de março de 1958 em São José do Rio Preto (São Paulo), Zezé teve seus primeiros contatos com a música no Canto Orfeônico do Grupo Escolar Valentim Álvares, do qual fazia parte. Além disso, as aulas de música com caderno de partituras no primeiro ano escolar e a Fanfarra do Colégio onde tocava caixa são lembranças que brotam de sua memória afetiva quando recorda dos primeiros passos no mundo da música. “O rádio ligado na sala de casa, as reuniões com amigos sentados no chão da pracinha onde cantávamos músicas da época”, complementa.

 

No longínquo ano de 1988 cantou pela primeira vez. Trata-se do disco “Pregões de São Luis”, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, produzido, arranjado e dirigido por Ubiratan Sousa. Zezé participou do coro.



Seis anos depois, o esperado debute fonográfico acontecia com o lançamento de “Momentos”, produzido pelo parceiro constante Filó Machado. O repertório, fruto das vivências musicais pelas quais passou, traça um (belo) inventário  do cardápio oferecido pela nossa música popular universal brasileira.




Compositora e artista plástica, Zica Bergami faleceu no dia 16 de abril de 2011. Para os mais desatentos, ela é a compositora da belíssima canção “Lampião de Gás”, sucesso atemporal na voz de Inezita Barroso, que a gravou em 1958. São as composições dessa saudosa artista que compõem o segundo disco da Zezé Freitas, intitulado “Zezé Freitas interpreta Zica Bergami” (1999), que assim como a sua estreia, foi produzido por Filó Machado. Atualmente, ouvir esse disco funciona como uma forma de preservar o trabalho de uma grande mulher que se foi.



Cinco anos se passam, chega as lojas “Meu tempo”, apenas com a voz de Zezé e o piano de Nenê, resultando em algo entre uma sensibilidade rebuscada e um mundo de canções intimistas, que através de inúmeras audições, revelam pouco a pouco mais e mais nuances. É um deleite (para os ouvidos e corações).



Poderia citar vários e diversos motivos para você escutar Zezé. É um convite apetitoso. Poderia dizer que ela é uma artista incomum. Poderia dizer que dentre nossos artistas independentes, ela se destaca. Poderia usar uma infinidade de argumentos...  Porém, prefiro que ela mesma fale. Que você confira um apanhado da carreira dela na entrevista abaixo, onde ela relembra seus primeiros passos musicais, fala de todos os seus discos, revela as cantoras que gosta de escutar e o nome do seu novo disco, “Todoriginal”, dentre outros assuntos.

Saber que lançastes um disco promocional chamado “Promo” em 1995, interpretando um pout-pourri do folclore brasileiro intitulado como “Cantigas” nos faz concluir que você é uma cantora inteligente. Afinal, músicas do nosso folclore não representam uma proposta “cool” demais para um país acomodado em termos musicais? Você esperava o que desse disco?


Os discos PROMOCIONAIS em geral, são lançados pelos selos em questão para apresentar os artistas com quem trabalham, de forma que não foi uma opção minha. A sugestão de se gravar “Cantigas”, um pout-pourri de músicas folclóricas, foi do Filó Machado, Diretor Musical e Arranjador desta faixa. Ele se baseou na minha personalidade e história de vida para esta escolha,  o que me moveu a concordar com ele. 



Minha proposta é seguir o coração, atender a alma, fazendo o que amo e o que agrada aos meus ouvidos cada vez mais exigentes. O Brasil possui mais de 50 ritmos e desconhecemos isto, não fomos ensinados a apreciar nossa diversidade cultural, assim os preconceitos foram se arraigando. Um músico, um ator, um artista, não há que ter preconceitos e sim descobrir que caminho quer seguir, o que quer transmitir com sua obra.  Assim, o que espero de toda obra é colocá-la à disposição, para que seja escutada, descoberta, refletida.  Mas essa não é minha parte, eu apenas canto.


Em 1994 chega o seu debute fonográfico, “Momentos”.  Com um repertório eclético, indo de Milton Nascimento a Noel Rosa, passando por Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro, dentre outros. Esse ecletismo é fruto da sua memória afetiva? Como você escolheu o repertório para o seu primeiro disco?


 

Ah! Acredito que este repertório seja sim fruto da minha memória afetiva. Quando criança, minha mãe ligava o rádio logo de manhã e cantava o dia todo, e estas canções iam fazendo parte de mim no cotidiano. Davam um colorido à vida que levávamos, marcou o local onde residíamos, a casa, a cidade interiorana no Estado de São Paulo, a vida modesta, os amigos, vizinhos, e a velocidade dos acontecimentos... As canções deste disco foram surgindo pouco a pouco, fui conversar com o Aluizio Falcão - ex Diretor da Rádio Eldorado - que me interrogou um bocado até saber algo a meu respeito e então me apresentou ao Homero Ferreira e ambos me mostraram alguns compositores que se afinavam com minha maneira de pensar e viver daquele momento, tais como Geraldo Pereira, Adoniran Barbosa, Vinícius de Moraes, Noel Rosa, Milton Nascimento e Hélio Sindô. Identifiquei-me com uma composição do Aluizio Falcão e gravei a faixa “Dia seguinte”.  Na época o Germano Mathias freqüentava a casa da minha mãe e então recolhi uma música dele, a “Minha nega na janela”.

A faixa de abertura, “Cantigas”, como citei acima, foi sugestão do Filó Machado que, além de produzir e gravar o disco, tocou em todas as faixas.  Quanto à música “Prece ao vento”, era interpretada pelo Coral que eu integrava, no Grupo Escolar Valentim Álvares, em Palestina.



Nesse contexto de lançamento da sua estréia em disco, você começou a fazer pesquisas sobre músicas ligadas ao nosso folclore tupiniquim. O que lhe interessa tanto nesse assunto?


O interesse é o de aprender sobre nossas origens e conhecer os hábitos transmitidos através de músicas pouco difundidas.

Você iniciou a sua carreira participando do coral “Madrigal”, sob a regência do maestro Benito Juarez. O que essa experiência agregou a sua carreira artística?


Até então eu cantava apenas por hobby, não via a música como uma profissão. A conduta rigorosa do Maestro Benito Juarez, os ensaios rotineiros e as viagens, mostraram um outro lado, passei  a encarar com mais responsabilidade  e como um trabalho.


Com esse mesmo coral você viajou para Senegal, Costa do Marfim, Nigéria e Gana, países africanos. O que você recorda dessa experiência?


Observei que a música brasileira é muito valorizada no exterior, ao contrário do nosso país, em que os brasileiros desconhecem e não se interessam pela própria cultura. Passei a admirar, a gostar mais e a explorar nossa arte.


Logo após você ter saído desse coral, passastes a atuar no teatro. Qual o motivo dessa mudança repentina?  O que aconteceu?


As mudanças não foram repentinas, foram paulatinas e se intercalaram. O Tiago Juarez, filho do Benito, regia o Grupo “O Beijo” pelo qual me interessei.  Foi “namorando” este Grupo que me surgiu uma proposta para atuar no Duábili, outro Grupo Vocal Cênico.  Desta maneira a atriz veio à tona naquele momento.  A seguir fiz um curso com a Miriam Muniz e decidi deixar a atriz de lado e ficar só com a cantora.


No ano de 1988 você participou do disco “Pregões de São Luis”, que recebeu patrocínio da Secretária de Cultura do Estado do Maranhão. Sendo que a sua participação foi no coro. Como surgiu esse convite?


Gostava de escutar música folclórica desde a infância e mantinha amizades com músicos de diferentes estados brasileiros. O Mochel, compositor maranhense residente em São Paulo chamou-me para ir com ele ao estúdio  onde estava sendo gravado os Pregões de São Luis e, lá chegando, o Ubiratan de Souza  convidou-me a gravar vozes também.  E cada pregão era um deleite.  Isso me influenciou a prestar atenção na minha história e a perceber qual seria meu próximo trabalho musical.


Ainda falando do disco “Pregões de São Luiz”: pouco se ouviu falar dele é bem difícil achar algo sobre ele na internet.  O que faltou para esse disco ser mais conhecido?


O que falta para todos os outros discos desconhecidos do grande público, que são principalmente a distribuição e a divulgação.


A sua carreira solo começou em 1991. Vinte e dois anos se passaram até os dias de hoje. Como era o cenário para cantoras quando você começou? E qual a diferença atualmente?


























Havia mais espaços para apresentações musicais. Por outro lado não se registrava um disco ou vídeo com facilidade. Com o advento da internet, de câmeras fotográficas e de vídeo, da telefonia móvel, todo o cenário se modificou. Hoje é mais democrático, porém, mais complexo atingir o público alvo. Não sabemos a quem e como nos dirigir. Vingam os fenômenos de massa ou casos esporádicos que despontam através da internet. Antes parecia existir uma fórmula para se colocar um produto no mercado, e agora é cada um pra si.


Creio que o investimento financeiro deva ser ainda maior nos dia de hoje para que um trabalho fique em evidência.  Estamos engatinhando neste aspecto, buscando entender e aprender como usar os novos meios de comunicação vigentes.


Beto Feitosa- http://www.ziriguidum.com/ - 28/02/05


“Zezé Freitas mostra sua música doce e delicada ... O formato intimista cai bem para eles... Mostram sintonia e entrosamento e o resultado é um CD simpático e despojado... Na maior parte do disco a delicadeza é que manda.”



Toninho Spessoto- Jornal Movimento – Discoteca- 28/02/05


“São sambas, choros, maracatus e bossas impregnadas de ricas harmonias, valorizadas por letras bem construídas e pelas interpretações sensíveis da cantora”.



Henrique Crespo:



“...é um trabalho delicado e sofisticado musicalmente”.




Zé Carlos Cipriano:

“...através de um apurado trabalho de caráter camerístico baseado na cumplicidade técnica entre voz e piano , apresentam um repertório de peças originais do pianista e arranjador Nenê”.



Assim, creio que a proposta deste disco foi SENTIDA e entendida sim. Quanto à Divulgação e Distribuição, trata-se de outra conversa.




Muitas cantoras surgem todos os dias na música popular brasileira. Algumas permanecem, outras somem. Dessa chamada nova geração da MPB, tem alguma cantora que lhe chame a atenção, que tenhas curtido o trabalho?


Posso citar algumas que aprecio desde interpretação, técnica vocal e repertório, são elas: Izabel Padovani, Mônica Salmaso, Ana Luisa, Juliana Amaral, Mariana Aydar, Juçara Marçal,  Paula Santoro, Leopoldina, Ceumar,  Rita Ribeiro...


Acho muito irônico uma voz como a sua, uma cantora com toda uma carreira por trás, que já lançou três discos solos, não ser reconhecida no Brasil como merece. Em sua opinião, o que dificulta o acesso dos ouvintes ao seu trabalho?




Investimento financeiro em material de apoio e equipe, investimento em  Assessoria de Imprensa eficiente na divulgação.  Escassez de Agentes de shows no Brasil e exterior, falta de Espaços para shows de porte médio, acesso gratuito à população, ouvidos acostumados apenas ao som de entretenimento ou comercial, preconceito com trabalhos inéditos, preguiça mental, desinteresse pela própria cultura, educação musical, formação de plateia, gosto musical...



Faz nove anos que você não lança um novo disco. Por que esse longo período sem lançar nada?


Gravei o CD TODORIGINAL em 2011 e aguardo que seja masterizado e prensado.


Percebo que o seu trabalho é extremamente guiado pelo seu senso artístico apurado. Sendo assim, é difícil não ceder a uma indústria musical que privilegia sucessos efêmeros e rasos?


Não é fácil nem difícil, apenas é.  A música me arrebatou desde que nasci e me faz feliz! Ela me escolheu!  O amor pela arte e pela obra é que traz a realização profissional e a satisfação.


Minha pergunta clássica: “cantora sem fã gay a carreira não decola”. Procede?


Olha! Estou inclinada a te dizer que SIM!!  Procede.


Zezé: o que nós, seus fiéis ouvintes, podemos esperar pela frente: disco novo, DVD, show? O que você está preparando para nós?


O quarto CD denominado “Todoriginal” em fase de masterização  e prensagem.


Zezé Freitas: voz
Nenê: bateria, acordeom, composições, arranjos e direção musical
Alberto Luccas: contrabaixo acústico
Írio Jr: piano
Vinícius Dorin: saxofones e flauta
Heloísa Meirelles: violoncelo
Adam Totan: violinos e viola
Bee Scott: projeto gráfico
Participação especial: Hermeto Pascoal e Aline Morena

De maneira independente, você lançou em 1999 o seu segundo disco solo, “Zezé Freitas Interpreta Zica Bergami”. O que a levou a gravar um disco só com composições dessa artista paulista?


























Conheci a Zica Bergami em uma exposição dos seus quadros Naif e lá estava ela, sentada, cabelos e pele branquinhos, cantando uma de suas canções: “Manga, manga e manga, não quer dizer a mesma coisa...”.  Achei fantástico.  Isso me parou, fiquei atenta, encantada com as letras, com a brasilidade, brejeirice, originalidade e simplicidade, paradoxal ao modo de vestir  e de se portar daquela  senhora . Aproximei-me e pedi para ir até a casa dela ouvir as outras músicas além do Lampião de gás, já  consagrada, na voz da Inezita Barroso (muitos pensavam ser ela a compositora). Desta forma acabei desistindo do repertório que já vinha selecionando para o CD e coloquei todas as de autoria dela, cada uma mais interessante que a outra.  “Abana o fogo, pur favô abana o fogo. Não que eu tô moiado quero me secá...”.



Seu terceiro disco, “Meu Tempo”, é bem delicado e sofisticado. Creio que é um álbum para se apreciar em muitas doses homeopáticas. Nove anos depois, como você o enxerga?
























Interpretei o repertório da Zica Bergami durante uns seis anos e não conseguia me desvencilhar dele para desenvolver o que viesse a seguir.  Foi então que conheci pessoalmente o Nenê baterista. Em uma das vezes em que esteve em casa, sentou-se com o violão no colo (não sabia que ele tocava violão), e dedilhou uma bossa nova:  “O Tom partiu, deixou o Rio. Não volta mais. Fim da canção. Imensidão! Tom foi pra lá”. Ela me arrebatou de imediato e, ao perguntar a autoria, soube que era dele, música e letra.  Fiquei surpresa, pois, ele é conhecido como O BATERISTA, um dos nossos melhores. Claro que eu quis conhecer as outras composições letradas dele. E, para as músicas que selecionei e que não tinham letra, tratei de arranjar um parceiro.  Foi então que conhecemos o Pedro Marques e o Eduardo Neves. E, seguindo a ideia de gravar um só autor no mesmo CD conforme tinha feito com a Zica Bergami, registramos  dez  canções do Nenê,  em piano e voz, e outras duas, uma do Mutinho com João Palmeiro,  outra do Natan Marques com Thaís Andrade.  Este disco retrata mais uma fase de descobertas.  Quando o escuto sinto-me satisfeita, tranqüila e feliz, ele é contemporâneo, bem cuidado e original.


Sobre o “Meu Tempo”: as críticas foram frias e o barulho que ele causou foi pequeno. Isso significa que: as pessoas não estão acostumadas com discos “não comerciais” ou a proposta dele não foi entendida?



Talvez se refira à Folha de São Paulo –Ilustrada- 11/02/2005


“Ambos têm ótima técnica, mas não atingem a emoção que o formato permite, salvo em “Um convite” e “Caminho de terra”. Luiz Fernando Vianna.


Porém, aquela foi a opinião de UM jornalista entre tantas outras que elejo:


Hermeto Pascoal escreveu:


“Nenê e Zezé! O CD de vocês está muito bonito. Une suavidade, coesão e bom gosto! Lindas composições. Parabéns!".


O Estado de São Paulo – Caderno 2 – 21/01/2005

"(...) é um bom exemplar de integração entre voz e instrumento... arranjos estimulantes. Seu timbre é agradável e as interpretações primam pela precisão e a clareza na pronúncia de cada verso. A intimidade com o piano de Nenê e o requinte na escolha do repertório só frisam a beleza do conjunto” Lauro Lisboa

Deixe o seu comentário:

bottom of page