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Andrea Ferrer

Baiana de Salvador radicada na capital carioca, a cantora, compositora e atriz Andrea Ferrer é o caso típico de artista que não teve como fugir do fazer artístico: o pai era cantor de ópera, a mãe dava aulas de violão e acordeon e cantava de forma amadora, o avô materno atuava como barítono nas horas vagas e a irmã, Daniella Firpo, também é cantora e compositora e mora na Itália. " Sem dúvida, Arthur, ter sido criada no seio de uma família de artistas me influenciou muito. Sendo assim e, com todo esse histórico, não deu muito para enveredar por caminho diferente", reitera.
 
De maneira independente, Andrea perdeu a virgindade fonográfica em 2003 com o lançamento do disco "Séculos", produzido por Luca Maciel. É formado por dez canções, canções essas que formam suculento cardápio da música (impopular) brasileira: Guilherme Arantes, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Villa Lobos e Ferreira Gullar, dentre outros não menos apetitosos. A mão do destino resolve dar o ar da sua graça:
"Séculos" foi relançado pela gravadora "Albatroz" do papa bossa-novista Roberto Menescal: "Conheci depois Raimundo Bittencourt, sócio do Menescal nesta gravadora, que ouviu o meu CD, gostou e me propôs remixar algumas músicas e relançar pela Albatroz", complementa Andrea.
 
Passados seis anos, chegamos a 2009, e com ele ao segundo disco homônimo de Andrea. É um espaço longo de tempo, por quê? "Foi o tempo que precisei para amadurecer um novo projeto e estar pronta para outro desafio". Dessa vez com produção divida entre Luca Maciel e a própria artista, além do seu nome batizando a nova empreitada, Andrea mostra quatro composições suas, três delas feitas em parceria com Luca Maciel ("Poder Insano", "Pertinho" e "O Que Ficou") e uma com a irmã que nasceu na época da adolescência e é dedicada aos pais, "Nas Nuvens". Para dar tal salto qualitativo, o trabalho foi árduo: "Mas é isso mesmo, essa produção foi intensa, uma doação mesmo, mas feita com muito amor e dedicação. Então coloquei o meu nome para representar todo aquele percurso pelo qual eu havia passado".
 
Na entrevista a seguir, Andrea passa sua trajetória a limpo, opina sobre a produção musical da terra natal, explica o processo de feitura dos dois discos, relembra pessoas e parceiros importantes, conta como foi parar no Rio de Janeiro, detalha relação peculiar com as artes cênicas e rememora a gravação dos videoclipes de "Marina dos Mares" (Carlinhos Brown e Géo Benjamin) e "Pertinho". Confira:
Você é natural do Estado da Bahia: o que achas da produção musical de lá? Como você avalia essa questão?
 
Sim, sou baiana, natural de Salvador. Acho a produção musical da Bahia, embora agora um pouco mascarada pela indústria do “Axé Music” (sem querer desmerecer este gênero, que tem também coisas bastante interessantes, mas que infelizmente se perdeu um pouco com o tempo e as necessidades do mercado), muito criativa e responsável por grandes transformações, inclusive culturais. Tivemos vários nomes, grupos e movimentos oriundos de lá. O Tropicalismo e a própria Bossa Nova (que dizem ter nascido no Rio, mas inventada pelo grande mestre João Gilberto, baiano), são exemplos disso. Os “Novos Baianos” também, que surgiram mais ou menos nessa época e os grandes inventores do trio elétrico, Dodô e Osmar e a repercussão de tudo isso e da guitarra elétrica, são fatos relevantes e que influenciaram nossa música a ser o que é hoje.  Não é à toa que dizem que a Bahia é o maior celeiro musical do Brasil, pois encontramos lá, uma diversificação muito forte de ritmos, batidas e gêneros; os músicos são excepcionais e tocam de tudo. Não podemos esquecer também o grande mestre Dorival Caymmi, que inspirou tantas histórias e contava as coisas da Bahia, nas suas canções, de uma forma própria e peculiar.  Hoje, o mercado está mais focado no axé (que originalmente chama-se samba-raggae), mas não podemos esquecer nomes da música popular brasileira como Gil, Gal, Bethânia, Caetano, entre tantos e a própria Daniela Mercury (que não contaminou o axé com o seu lindo “Canto da Cidade” e outras tantas pérolas)
 
Hoje em dia estás radicada no Rio de Janeiro. Como você foi parar na capital carioca e por quais motivos?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Inicialmente vim para o Rio fazer teatro. Já fazia cursos em Salvador e algumas peças de teatro, comerciais para TV e campanhas publicitárias. Cheguei a entrar para faculdade de Serviço Social por lá, talvez para satisfazer a família e ficar mais um pouco perto deles, mas o meu intuito era logo que possível, trancar e seguir em frente com o meu sonho. Minha família lutou muito para que não abandonasse a minha cidade e vida familiar estável e sem preocupações de ordem financeira, mas não houve quem me segurasse naquele momento; era muito impetuosa e estava determinada a seguir a minha carreira de atriz em um lugar que me oferecesse melhores oportunidades. E este lugar era o Rio de Janeiro, cidade que me apaixonei desde que pisei os pés pela primeira vez, ainda criança.
 
Além da carreira como cantora, você se envolve com as artes cênicas. O que te atrai nesse outro lado? Qual é a sua relação com o ofício de atriz? Toparias fazer uma novela da Globo?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Então, como falei acima, tinha muito fascínio por artes cênicas. Desde criança, brincava de ser atriz e dizia que queria ser atriz insistentemente (risos). Fazia peças na escola e até dirigia. Depois que saí para a faculdade, entrei em alguns cursos de teatro e comecei a trabalhar como atriz em diversas áreas. Quando vim morar no Rio, já tinha conseguido o registro para poder atuar por aqui e continuei a cursar algumas escolas de teatro e a fazer trabalhos paralelos em publicidade e até em produções da Globo. Fazia também minhas aulas de canto, pois aquilo me preenchia e completava. E foi fazendo um recital chamado “Canto as criaturas”, dirigido pelo ator Carlos Vereza, que atuava também declamando poesias, que descobri a emoção de cantar em um espetáculo totalmente original. A partir daí, me empenhei mais nas aulas de canto, passei a fazer shows solo e a vida acabou me levando a essa trajetória, tão difícil como a de atriz, mas que descobri, que sem uma, não seria possível fazer a outra e que ambas se completam.
Seu primeiro disco, “Séculos”, foi lançado em 2003, ou seja, faz dez anos que ele chegou ao mercado. Olhando atualmente, como você o enxerga? Foi a estreia que imaginavas?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O CD “Séculos” foi sendo elaborado quase que paralelamente ao meu início de carreira como cantora. Na medida em que ia experimentando e colocando as músicas que gostava nos shows, sentia necessidade de criar uma  identidade diferente para elas e fazer novos arranjos. Nessa época, conheci uma pessoa que me ajudou e me deu muita força nesta busca. Graças a ele também nasceu “Séculos”. Luca Maciel, que já tocava comigo, foi o meu arranjador e diretor musical, grande amigo e mestre. Infelizmente não está mais aqui entre nós, foi uma grande perda. Não imaginei resultados quando fiz o disco, mas, naquela época, era o que eu queria e me emocionava. Aquelas canções falavam à minha alma e era isso que eu buscava.
 
“Séculos” ganhou produção musical de Luca Maciel: qual a importância dele nesse projeto?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conheci Luca, quando ele administrava uma casa noturna aqui no Rio de Janeiro. Fiz a minha estreia lá, piano e voz, com o consentimento dele, mesmo sem conhecer o meu trabalho. A partir daí, surgiu uma bela amizade e parceria. Ele começou a tocar comigo (era baixista). Depois fomos concebendo o disco. Eu escolhia o repertório, ele criava os arranjos, ia chamando os músicos e fazendo a direção. A música “Séculos”, que deu nome ao disco, é de autoria da minha irmã, Daniella Firpo e Keko Pires. Esta canção, para mim, é muito especial, pois foi dedicada a meu pai, que havia falecido alguns anos antes e, já tinha sido gravada por ela.  Luca criou um arranjo completamente diferente do original e a música ficou ainda mais emocionante para mim. E assim, ele ia trabalhando em cada música e dando vida ao meu projeto.
 
Ainda falando de “Séculos”: o repertório dele passeia por compositores diversos, como Guilherme Arantes, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Herivelto Martins e David Nasser, Cristóvão Bastos e Chico Buarque, dentre outros. Esse ecletismo é fruto da sua vivência musical do passado? Como você selecionou essas canções?
 
Na verdade, não vejo tanto ecletismo particularmente neste álbum, embora ache que eu tenha um gosto diversificado mesmo. E isso a gente não explica muito, traz na alma... Essa é a minha personalidade e talvez, por ter sido criada ouvindo de tudo um pouco. Mas se você notar, o disco tem um elo entre as músicas, os arranjos e harmonia são sofisticados, os compositores, na maioria clássicos da música popular brasileira e o conteúdo das letras é profundo e fala de amor; sou uma pessoa muito romântica. A seleção das músicas foi fluindo naturalmente, de acordo com o momento e inspiração. Sempre gostei de canções densas e de conteúdo. A música “Pensando em ti”, de Herivelto Martins, eu conheci em um disco que ganhei, em que as canções deste compositor eram interpretadas por diversos cantores. Me apaixonei por ela, fui experimentando em shows e pedi para o Luca fazer algo muito especial para o CD. A do Tom e Vinícius, “Por toda minha vida”, é um hino de amor avassalador e me capturou desde que ouvi pela primeira vez. A do Chico Buarque, “Todo sentimento”, é absurda de bonita e sempre me acompanhou, desde a época que fiz o recital. “O trenzinho do caipira”, que abre o CD, tem um significado especial e metafórico para mim. Nas inéditas, “Séculos”, já comentada anteriormente e “Hemisférios”, cedida para mim pelo amigo e letrista Edinho Nascimento, em parceria com Chico Feitosa, tentamos fazer algo bem diferente do original. A mesma coisa com “Sangue Latino” e “Caçador de mim” (esta sempre presente na minha infância). A do Guilherme Arantes, “Êxtase”, é de uma simplicidade poética encantadora e “Mistérios” foi a última que escolhi, bela e forte canção.
Luca Maciel dividiu a produção de “Andrea Ferrer” (2009) com você, por quê?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porque assim como no primeiro CD, ele esteve presente em todo o processo embrionário, até a conclusão do disco, participando também da mixagem. Dirigiu, fez os arranjos e trouxe toda a equipe de músicos. Importante também dizer que nesse segundo CD pude contar com a experiência musical de Carlos Alberto Sion, que trouxe contribuições importantes na produção: estúdio para gravação e mixagem, bem como seus técnicos qualificados, projeto de capa do CD com a indicação de profissionais de design gráfico, entre outras coisas.
 
Passados quatro anos do lançamento do seu disco mais recente, o que você recorda do processo de feitura dele?
 
Vejo este segundo CD como o resultado de um processo de amadurecimento pessoal e profissional. Ele foi sendo gerado aos poucos e com cuidado; vinha ensaiando com minha banda, fazendo shows, descobrindo e testando novo repertório. Pedi ao Luca para musicar algumas letras minhas para, pela primeira vez desabrochar e passávamos nos ensaios. Com a experiência que obtive no trabalho anterior, pude também participar mais ativamente da parte de produção, que foi muito mais elaborada e trabalhosa do que no primeiro disco; desde o repertório até a criação da capa, revisão, divulgação nas mídias, etc. Contei com a produção executiva da “BB Produções Artísticas”, com a consultoria de Carlos Alberto Sion, gravei em dois estúdios e a masterização foi feita  em São Paulo pela “Classic Master”.
 
Quatro canções levam seu nome na autoria nesse segundo disco. A compositora vai passar completamente por cima da intérprete num disco futuro? Pensas nisso?
 
Não acho muito provável, pelo menos por agora, pois gosto de interpretar belas canções não necessariamente minhas. E temos uma safra tão rica e grandiosa ao nosso redor que não ousaria deixar de lado ainda a oportunidade de torná-las mais vivas.
 
Fafá de Belém, Angela Ro Ro, Maria Bethânia e Sabah Moraes já regravaram “Vida” (Chico Buarque), faixa oito do seu disco mais recente. Você conhece as versões delas? Qual a sua relação com essa canção?
 
Jura, todas elas?! Não sabia, achei, até bem pouco tempo que essa música tinha sido gravada apenas pelo Chico e por mim (risos), verdade!!  E foi até bom pensar assim e aprender pela versão do autor. Aí, há uns meses atrás, fui apresentada a um vídeo da Sabah Moraes, que está no You Tube (através daquela divulgação do “Ofício de Cantora”) e vi que ela cantava também, não sei se gravou. Gosto muito desta música, aliás, sempre cantei Chico Buarque em quase todos os meus shows e inclusive nos dois CDs. Esta canção foi escolhida com muito esmero, ela tem uma carga dramática muito forte, que tem que ser muito bem dosada e melodicamente também não é muito fácil. Mas como gosto de desafios, resolvi trazê-la para o CD.
“Marina dos mares” (Carlinhos Brown e Géo Benjamin), faixa que começa os trabalhos do seu disco mais recente ganhou videoclipe dirigido por Pico Garcez e roteiro de Carlinio França. Por qual motivo você escolheu fazer clipe dessa música? Como foi a gravação?
 
Escolhi “Marina dos Mares” para abrir o CD por ser uma música alegre, pra frente, ao mesmo tempo que me remetia à Bahia e feita por dois compositores de lá (Carlinhos Brown e Géo Benjamin). Então foi natural querer levá-la para um clipe, retratando um pouco das belas paisagens e mares que temos. Pico Garcez pôde explorar isso de uma maneira muito criativa; gostei muito do trabalho dele e do resultado final. Filmamos isso em um dia, percorrendo algumas praias e até esperando o sol se pôr e o barquinho ir se aproximando... (a cena foi real).
 
“Pertinho” (Luca Maciel e Andrea Ferrer), também canção do seu disco mais recente, gerou outro videoclipe dirigido por Pico Garcez: conte-nos tudo sobre a feitura dele. Outra coisa: você gosta de fazer clipes? O que te atrai nisso?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Desde que lancei o CD “Andrea Ferrer” que vinha pensando em fazer um clipe com alguma(s) música(s), para complementar o trabalho que foi feito e dar uma divulgada. Isso não aconteceu logo por diversas razões, e quando fui passar dois anos em Salvador, no ano seguinte ao lançamento do disco, comecei a amadurecer melhor esta ideia e como já conhecia Pico e Carlinio, fomos construindo juntos uma forma para a história que queria contar. Aí nasceu a ideia de fazer um clipe da minha música também, pois era importante eu mostrar um pouco do que fiz e dar vida a isso. Mas daí veio à dúvida: Qual música minha eu colocaria? Foi uma difícil escolha, mas resolvi fazer “Pertinho”.  Filmamos no mesmo dia que o outro clipe, mas à noite, em um parque de diversões.
 
Andrea: quais são as dificuldades de se exercer o ofício de cantora não estando na grande mídia? Elas te fazem pensar em parar de cantar ou fazer arte de outras maneiras?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Amo fazer o que faço, do contrário não seria tão feliz; mas reconheço que tudo fica muito mais difícil sem um apoio sólido, começando pela mídia, que é quem impulsiona na maioria das vezes o artista, dando condições para que ele continue. Mas não acho que devemos construir a nossa carreira para agradar a mídia ou senão estaríamos aniquilando o que somos. Com todas as dificuldades que existem, não devemos depender de gravadoras, rádios ou qualquer veículo de comunicação para continuarmos a seguir nossa trajetória. Claro que este é um caminho muito mais árduo e, por causa disso, tantos desistem. No meu caso, quero sempre poder seguir o meu caminho; a minha arte, é poder passar através das canções que escolho, a minha essência.

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