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A cantora e compositora Maga Lieri (resenha dedicada a você) sugeriu no Facebook um post sobre a Alaíde Costa. Juntei a ideia (excelente) com a vontade de falar desse disco dela, que merece ser muito mais reconhecida e popular nas nossas terras tupiniquins.Com arranjo, piano e teclados do próprio Gilson Peranzzetta, “Amiga de verdade” (Gilson Peranzzetta e Aldir Blanc) tem letra evocando a cantora e compositora Maysa, como se ela se materializasse na audição. Os seguintes versos atestam isso: “e então, na consagração da noite perdida, espero em vão que você diga, que eu sou, serei, a tua verdadeira amiga...”.

 

O piano conduz a voz da Alaíde para outra dimensão. Sobra para o ouvinte, que fica exaurido com a (alta) carga dramática da voz dela (e isso é ótimo).“Quem sabe” (Elton Medeiros e Paulinho da Viola) conta com a participação vocal do próprio Paulinho. A letra fala do término de um relacionamento: “sem nada, nem no peito qualquer mágoa, sem rancor e sem saudade, venho agora te dizer adeus”. Alaíde espreme o nosso coração. Até surgir o príncipe Paulinho da Viola, reconstruindo-o. A flauta de Marcelo Bernardes é essencial para essa canção. No fim, tudo é aparentemente simples: arranjo econômico – piano, violão e flauta – e duas belas vozes satisfazendo o ouvinte.

 

“Estrada do sertão” (João Pernambuco e Hermínio Bello de Carvalho) ganhou uma versão arrebatadora, onde a voz dela te invade sem pedir licença. Sebastião Tapajós brilha no violão. Essa faixa é um dos momentos mais bonitos desse disco: arranjo e interpretação impecáveis, beirando o sublime. Uma observação: entre as muitas regravações dessa canção, destacam-se as das cantoras Elba Ramalho, Mônica Salmaso e Teca Calazans.

 

Em “Teus olhos, meu lugar” (Toninho Horta e Ronaldo Bastos) podemos notar mais claramente ainda a densidade e a grandeza da voz da Alaíde, que necessita de canções como essa. Nana Caymmi se encaixaria perfeitamente nessa música. O som do violão de Toninho Horta acaricia o ouvinte.

 

“Cinema antigo” (Sueli Costa e Cacaso) ganhou só a voz (e que voz) da Alaíde e o piano (belo) de Wagner Tiso. “Quero apenas a promessa do seu beijo, quero apenas um vintém do seu amor”: quem ousaria negar isso a essa cantora? Wagner ainda dá uma aula gratuita de piano. A cantora, compositora, pianista e arranjadora carioca Delia Fischer deveria urgentemente fazer um arranjo para essa canção.

 

“Bela bela” (Milton Nascimento e Ferreira Gullar) ganhou a participação (vocal) mais do que especial de Milton Nascimento. O arranjo cresce e o andamento muda com a entrada (na segunda parte) da voz do Milton. Resultado: duas das melhores vozes da nossa música popular brasileira ao bel prazer do ouvinte, então, se lambuze. João Baptista (baixo), Jurim Moreira (bateria) e Heitor T.P. (violão e guitarra) não brincam em serviço.

 

Uma faixa que se destaca muito no conjunto da obra.“Absinto” (Fátima Guedes) mostra que as composições de Fátima Guedes, mais a voz da Alaíde, beiram algo entre o sobrenatural e o sublime. Atentem para esse trecho divino (tarefa ingrata quando falamos da obra da Fátima): “eu bebo, quando fico assim desesperada, quem me dera ficar apaixonada, pra encontrar o outro lado do moinho”. O sax soprano de Zé Nogueira ganha merecido destaque. A voz da Alaíde capta a essência da letra. Também conta com “Eu te odeio” (Fátima Guedes) como música incidental.

 

“Choro das águas” (Ivan Lins e Vitor Martins) tem o arranjo, teclados e participação de Ivan Lins (cantando). “Esse meu choro é o choro das águas, que lava as telhas, que rola nas calhas, que pinga nas bicas e deságua na gente, afoga esse coração”: pra cantar esses versos lindos, doídos e exagerados, tem que saber o que está fazendo. Alaíde é professora de canto. É a melhor faixa do disco.

 

“Morrer de amor” (Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini) ganhou interpretação que vem do âmago. MPB-4 participa (interessante). Os teclados de Gilson Peranzzetta dão angústia. Essa faixa destroça o coração do ouvinte (o que já vinha sendo feito desde o começo da audição desse disco). A participação do MPB-4 ajuda (muito) a potencializar a tristeza embutida nessa canção.

 

“Mais que a paixão” (Egberto Gismonti e João Carlos Pádua) é bem íntima (dá essa impressão nitidamente). Talvez pelo fato de contar só com o piano de Egberto. “Do meu coração, que bate, rebate e grita, geme, chora e se agita, sambando nas cordas bambas de uma viola vadia, vadia”. Pra audição tornar-se perfeita, basta o ouvinte entregar o próprio coração numa bandeja. Essa música também deu título ao disco que Wanderleia lançou em 1978. Delia Fischer (de novo ela por aqui) deveria cantá-la, afinal, tem bastante afinidade com o autor (seu último disco é o “Saudações Egberto").

 

FAIXAS BÔNUS:“Teu simples não” (Rique Pantoja e Regina Werneck) chama logo a atenção pela voz de Rique Pantoja (te “sacoleja”), que ainda fez os arranjos e ficou com os teclados. “Só quero então, que eu não te encontre mais, pois sei que vai doer mais que saber, que ao te encontrar, eu vou me perder” (verso mais do que inspirado). Digamos que é a faixa mais acessível (e isso não é um demérito).

 

“Dois corações” (Johnny Alf) tem um verso simples, que encanta justamente pela simplicidade: “você me aceita e diz pra mim: seremos nós até o fim”. Lindo é “ver” o piano de Guilherme Vergueiro flertando com a voz da Alaíde, tendo como voyeur o baixo de Sizão Machado. Mesmo cantando mais contida, continua com a emoção impregnada na voz, totalmente entregue a canção. 

 

Alaíde Costa - Amiga de verdade

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No próximo dia oito de dezembro uma das nossas melhores artistas brasileiras completa 77 primaveras. E o melhor: com a voz tinindo, que é responsável por uma carreira que já soma mais de 50 anos. Trata-se da cantora, compositora e pianista Alaíde Costa, mulher desbravadora, que abriu as portas da música para muitas outras que vieram depois. Um bom presente que o ouvinte pode dar a ela é a audição do disco “Amiga de Verdade”, originalmente um LP, lançado em 1988 (independente), produzido por Zé Nogueira, e posteriormente relançado nos anos 90, só que com capa diferente da original.Marcelo Fróes, dono do selo “Discobertas”, produziu essa reedição (totalmente fiel ao LP) caprichada, acrescida de duas faixas bônus – “Teu simples não” (Rique Pantoja e Regina Werneck) e “Dois corações” (Johnny Alf) – e que conta com as participações vocais luxuosas de Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Ivan Lins, MPB-4 e Rique Pantoja.Algumas cantoras podem até quase quebrar copos com os seus agudos. Alaíde Costa faz diferente: estraçalha o coração dos ouvintes com total conivência deles com a sua voz ora delicada, ora passional ou dramática, recheada de densidade e nuances rítmicas.

Escute o disco na integra

1 - Amiga de verdade

2 - Quem sabe

3 - Estrada do sertão

4 - Teus olhos, meu lugar

5 - Cinema antigo

6 -  Bela Bela

7 - Absinto

8 - Choro das águas

9 - Morrer de amor

10 - Mais que a paixão

11 - Teu simples não

12 - Dois corações

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