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Izzy Gordon - Negro Azul da Noite

A história mostra que durante décadas e décadas a voz que ecoava da periferia, dos morros, dos guetos, do povo negro, sofria tentativas de ser calada. Só que chega uma hora em que é impossível calar a voz de quem quer que seja.

Ela é sobrinha de Dolores Duran. Carrega na voz tudo o que viveu e o que os seus antepassados tentaram falar e mostrar. O nome dela é Izzy Gordon. O motivo dela estar aqui, agora, atende por “Negro azul da noite”, seu terceiro e mais recente disco.

A proposta é inovadora e funciona (também) como uma forma de honrar a importância do papel do negro e suas contribuições para o progresso do Brasil. O disco conta com dez composições, todas de compositores negros. Todas ganhando sincronia na voz de Izzy Gordon.

Os trabalhos começam com a faixa que intitula o disco, “Negro azul da noite” (Geovana). Muito densa e envolvente. Ganha mais força com a emissão cálida de Izzy, como se fosse algo gelado.  Melancolia ao extremo. O enunciado das palavras, mais o acompanhamento lento, “batem” nos ouvidos de maneira certeira.

“Pescador de ilusões” (Marcelo Yuka, Lauro Farias, Marcelo Falcão, Xandão e Marcelo Lobato), sim, é aquela mesma do repertório do grupo O Rappa. Aqui, o andamento lento dá força à letra, transformando essa música numa súplica. Izzy canta se entregando as palavras. O arranjo discreto funciona e não abafa a voz dela, privilegiando cada sílaba que ela canta. O final é doloroso, com uma espécie de grito.

Com ambiência jazzy e arranjo sofisticado, “Coisas da vida” (Milton Nascimento e Fernando Brandt) mostra como Izzy imprime a cada palavra que canta o valor merecido (percebemos muito nessa faixa).  A entonação do canto imprime a mensagem da letra.

A quarta faixa é uma canção do Carlinhos Brown pouco conhecida. Izzy a coloca no lugar onde deveria estar: junto com as grandes canções brasileiras. “Você merece samba” mostra uma letra inspirada. Notem a afinação inerente em todo o disco da cantora nessa canção em especial.  Ouvi-la cantando versos como: “pra que visitar solidão na borda infinita de um copo de bar...” é uma experiência perturbadoramente boa para quem a escuta.

“Questão de gosto” (Leci Brandão) dá aquela impressão imediata de samba-jazz. O arranjo complementa o ritmo em que ela canta, fazendo o ouvinte escutar uma canção muito bonita. Em termos de harmonia, é a melhor e mais completa do disco, sendo também uma das melhores faixas.

Pela letra, obrigatoriamente, “Minha verdade” (Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho), deveria estar nesse disco. Parece descrever um pouco da personalidade da cantora. Como se ela cantasse e estivesse falando da vida dela mesma.  Como quando ela canta esses versos: “eu tenho a minha verdade, fruto de tanta maldade, que já conheci, me deixa caminhar a minha vida livremente”.

“New love” (Tim Maia) poderia estar na trilha-sonora dos filmes do Woody Allen. Nessa faixa o alcance vocal da Izzy fica mais explicito.  A voz chega a um lugar que passa dos ouvidos. Bate na porta do coração sem pedir licença. O melhor arranjo do disco é o dessa canção. Uma última observação: especialmente nessa música, sentimos a "alma Black” totalmente, reinando soberana, mais visível ainda do que nas outras faixas.

Agora é o momento da melhor faixa do disco, “A lua e eu” (Cassiano e Paulo Zdanowski). Uma canção que emociona até quem tem coração de pedra. Transforma lágrimas de crocodilo em lágrimas de verdade. Hora do disco em que nada existe ao redor. Só a voz dela e quem a escuta. E a dona emoção. Letra, arranjo, voz e interpretação a favor da manutenção da integridade da música verdadeira.

A penúltima faixa do disco é o momento mais dramático. Poderia estar num disco da Maysa ou da Maria Bethânia. “Orgulho” (Paulinho da Viola e Capinam) reafirma o que estou dizendo: “o tempo é uma pássaro de natureza vaga”. Essa música prova que existe beleza, mesmo que gélida, na tristeza. Basta à voz certa encontrar a música certa. Como nessa aqui.

A última faixa do disco é “O amor está no ar” (Agostinho dos Santos e Joab Teixeira). Poderia ser trilha de filmes do Almodóvar embalando pessoas sofridas, estranhas e complexas, enfim, típicas dos filmes dele. O registro vocal intenso, matador e grandioso acaba com o ouvinte na mesma hora da audição.

Em todo o disco, paira uma sensação de transporte para o mundo particular de canções impregnadas pela alma preta. Universo esse delineado por grandes compositores negros. Que vieram de outros negros, que vieram de outros, que contribuíram para, entre outras coisas, serem conhecidos, sentidos e cantados pela voz inquieta, afinada, com emoções na dose certa de Izzy Gordon.

Escute o CD aqui:

1º Negro azul da noite



2º Pescador de ilusões



3º Coisas da vida



4º Você merece samba



5º Questão de gosto



6º Minha verdade



7º New love



8º A lua e eu



9º Orgulho



10º O amor está no ar



 



 



 

 

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