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Um arranjo diferente, adornado com batidas distintas, abre os caminhos para “A hora do galo” (Isla Jai). Mais uma vez, a repetição dos versos marca presença. Nessa faixa, isso ajuda a fixar a letra.  Sentimos um leve samba aqui  (vontade repentina de dançar). É uma música solar. Espanta coisas ruins. Dá vontade de cantar junto. O arranjo reforça mais ainda o elemento “solar”.



É muito ousado e corajoso começar uma música com algo que não saia de instrumentos tradicionais. “O vento” começa com sons que remetem a água. Algo de etéreo paira nessa canção. O arranjo dá um mistério sobre o que escutaremos. Junto com a interpretação densa e angustiante, quem está escutando fica apreensivo. Além de percebermos o alcance e potência vocal da Isla, percebemos outra característica bem peculiar da maneira dela de cantar: as mudanças de andamento. Nesse caso, a música dá uma acelerada. Resultado da soma de barulhos de água, interpretação e arranjo? Algo entre o sereno e o angustiante, como se fosse um soco para despertarmos de algo errado que estejamos fazendo. Talvez a beleza dolorida e as muitas sensações provocadas no ouvinte façam dessa a melhor música do disco. Ainda tem um vocal de arrepiar no final.

 

A quarta faixa, “Não repare” (Isla Jai e Carlos Careqa – autor texto do rap) faz lembrar Maria Rita. O rap que entra a faz uma música ousada e diferente. O que nos faz pensar que a música popular brasileira e o rap não são dois elementos auto excludentes.  E que podem dialogar numa boa. A letra é uma crítica: “não repare não, deseje não, cobice não, não repare no relógio do outro, no celular do outro, não repare na astúcia do outro”.  Essa faixa ganha um charme a mais com o tom de pedido em que a Isla canta, de maneira bem suave. A química com Carlos Careqa é bem visível.



“Sou do mato” (Isla Jai) começa com percussão e flauta, dando um efeito gostoso de ouvir. A letra saúda a simplicidade, como quando ela diz “sou do mato” repetidas vezes.  É uma música que dá vontade de bater tambor e agradecer pela própria vida.  Passa uma simplicidade que invade. Isla a canta num tom bem meigo. De forma geral, lembra coisas folclóricas, típicas de certas regiões do Brasil, nos fazendo lembrar da nossa terra natal. Tem um efeito ótimo no final.

 

“Que peixe é esse?” (Isla Jai) é uma composição que lembra bastante Dorival Caymmi. Também nos faz imaginar pessoas dançando ao redor de uma fogueira num ritual indígena. Poderia ser um carimbó, ritmo paraense. Ou é? Ouça e me diga depois. O canto de Isla Jai é tão diversificado que aqui nos faz compará-la a uma sereia cantando.



Um arranjo divino no começo já nos faz gostar de “Balança mas não cai” (Isla Jai). A letra é intrigante: “um fio é como um rio, que deságua no mar”. Metáforas como essa fazem pensar no que ela quer dizer nessa composição, como quando canta: “no centro do desafio, há um rodamoinho que me leva ao lugar”. Dentro do repertório desse disco como um todo, essa se destaca mais, seja pelo arranjo que lembra jazz, ou pelo registro vocal grandioso.

 

Agora as mudanças de ritmo consistem em partes faladas e samba. “Quase caía” (Isla Jai) é diferente de tudo que se ouve por aí. Isla propõe uma viagem a partir de uma letra que fala de uma mulher que não quer mais o seu homem. Essa mesma mulher reflete sobre o que fazia no relacionamento e o que fará depois do fim dele, como ver o sol nascer.



A penúltima faixa, “Zazas” (Isla Jai), conta com vários efeitos. Palmas e barulhos de brinquedos de criança, por exemplo. Isla canta de maneiras diferentes nessa música, deixando seu estilo mais perceptível. Os barulhos diferentes adornam um arranjo enlouquecido por si só.

 

A última faixa desse disco, a saideira, tem um refrão que se resume a duas palavras: “mexa-se, mexa-se”. Aqui o som é diferente, fora do comum. Não é Cult, mas é sofisticado. Isla consegue misturar bossa-nova com jazz tendo como resultado música pop da melhor qualidade. Se fazer música pop no Brasil é pecado, pecado tão sujo que leva o pecador para a fogueira, Isla está pecando com um microfone na mão e sorriso nos lábios. É uma música tão curiosa que gera uma expectativa absurda para vermos no show. O verso mais inspirado desse disco está nessa faixa: “Então tente até o impossível, reveja toda a tua cena, não tenha pena de você, aí viaje no teu brilho, não perca o delírio, de um dia acontecer”. Nessa mesma faixa parece que ela duela consigo mesma. Ela também faz uma espécie de segunda voz nessa e em outras faixas desse disco. O que é mais do que um charme, é uma característica inerente ao canto de uma mulher que não pode ser calada. O final grandioso já nos faz esperar por um segundo disco.



A audição do “Zazas” me faz pensar em muitas coisas. A principal delas é o motivo de um disco muito bom não estar nas paradas de sucesso. O que me leva a seguinte e triste constatação: o brasileiro realmente está perdendo (ou já perdeu) o gosto pelos discos feitos com princípios, cujo único objetivo é o encontro com a arte. Já que muitos estão se perdendo, vou abrigar Isla Jai e sua musicalidade no meu coração. Para sempre.



 

 

 

Isla Jai -Zazas

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Uma médica que canta. Uma cantora que é médica. Uma mulher pode exercer essas duas funções que habitam mundos aparentemente tão distantes?

 

Isla Jai faz isso. E bem, diga-se de passagem.​

A primeira faixa, “C’est bom” (Isla Jai), tem um começo hipnótico. As frases repetidas constantemente reforçam essa sensação. Uma brusca quebra de ritmo pega o ouvinte de surpresa, sendo que ele está em estado de transe. Quando pensamos que a música acabou, ela recomeça.  E com as repetições dos versos cantados.  É um bom aperitivo para vermos que ela é uma cantora original. E de verdade.

Escute o disco na integra

1 - C'est bon

2 - A hora do galo

3 - O vento

4 - Não repare

5 - Sou do mato

6 - Que peixe é esse

7 - Balança mais não cai

8 - Quase caia

9 - Zazas

10 - Mexa-se

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