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Miriam Bezerra - ... E que a Tristeza Seja Chuva

De acordo com o dicionário, cantar significa: “exprimir por meio do canto. Celebrar em poesia. Executar com a voz (um trecho musical). Emitir com a voz sons ritmados e musicais”. Inferimos que antes de cantar ser um verbo da língua portuguesa, é antes de tudo um sinônimo de Miriam Bezerra.

Nascida em Santos, litoral de São Paulo, Miriam Bezerra é também compositora, atriz e intérprete de jingles publicitários. Não satisfeita, ainda escreve poesias e contos. Ela cursou Letras e Filosofia até o processo de feitura do seu primeiro disco, além de ter feito canto popular pela Universidade Livre de Música e Artes Cênicas. Fazendo-nos sentir que trabalhamos pouco, ela ainda compôs trilhas sonoras de vários espetáculos teatrais, como “É o bicho – A ordem natural das coisas”, dirigido pela atriz  Rosi Campos, dentre outros.

“... E que a tristeza seja chuva” é o seu primeiro disco. 13 composições escritas pela própria Miriam o formam. Encaro esse disco como um passeio, onde Miriam nos faz conhecê-la melhor, ressoando também as grandes cantoras e compositoras brasileiras que falam do amor a partir de um viés diferenciado, sem pregar bobagens comerciais que poderiam servir para arrancar lágrimas dos espectadores das novelas quando acompanham algum casal monótono. É muito escancarada à preocupação da Miriam com a riqueza da melodia, dando a cada verso o que ele pede e expressa por natureza.

A sensibilidade ao extremo, reforçada pela beleza ora cálida ora frágil, mostram que Miriam faz parte do seleto grupo de cantoras que ambicionam através da música, expressar o que são de verdade. Justiça seja feita: uma cantora que foge da padronização plástica do canto no século XXI merece uma salva de palmas.

“Cantiga de menina” já mostra ao ouvinte a delicadeza potencializada pela emissão límpida de Miriam Bezerra. O clima suave apazigua os ânimos. Como não relaxar e se deixar levar pela voz dela? Ela canta com precisão, mas sabe dosar com a emoção. Notem como o eu-lírico da letra é masculino: “calor no meu peito tão frio, quero ser o seu namorado”.

Num arranjo bem cuidado e sofisticado, “Sonho azul” lembra os momentos gloriosos da Bossa Nova. A letra descreve uma moça que idealiza o amor e espera o seu homem: “conhece pouco a vida, mas, decide da vida quero só saber amar, derrama o sofrimento nas calçadas, com a vela acessa pede pra casar. E quando chegar, meu homem, meu rei, me pegue com calma, me faça seu bem”.

“Sinal fechado” é envolta em um arranjo econômico, e é essa “economia” que abrilhanta a letra e a interpretação. Escutar versos como “meu desejo em silêncio pecou”? Só se for para apreciar em doses homeopáticas cara Miriam. Nosso coração é fraco.

“Sem avisar” é uma das melhores faixas desse disco. Miriam canta com paixão sobre um arranjo extremamente bonito. Canta e vai nos arrebatando: “um amor tão puro me chegou sem avisar, abriu janelas, portas, quando vi já estava lá”.

“Riso de paz” conta com doses certeiras de melancolia. Uma sugestão: experimente essa faixa em dias de chuva: fica mais interessante ainda.

“Desilusão” parece um sambinha. Arranjo, letra e melodia trabalhando para enriquecer a voz da Miriam. A característica de samba nos faz até querer arriscar uns passinhos.

A letra de “Saudades de mim” é bem lúdica e faz brotar imagens na cabeça: “quero de volta os meus brinquedos, quero sair pra ver o mar, quero sentir a brisa soprando, quero me cobrir com o luar”. Especialmente aqui, Miriam nos tranquiliza mais ainda com o seu jeito particular de cantar e interpretar. É muito especial escutar uma cantora que não imita outras.

“Novo dia” é aquela música que faria Maysa entornar uns goles de bebida, brindando a escola de composição que fundou. Em relação ao restante do disco, é mais rapidinha. A letra demonstra uma compositora afiada e esperta para canalizar sentimentos: “e que a tristeza seja chuva, até teu peito desaguar, desencantando a dor confusa, que insiste em se chegar”. Além de ser mais uma das melhores canções desse disco, provoca um efeito nostálgico (saudades das grandes cantoras).

“Prá renascer” prova uma teoria a respeito do canto da Miriam que eu tenho: com poucos instrumentos e um arranjo discreto, ela consegue extrair mais ainda a beleza das canções. Essa é uma música de doer o coração. Uma martelada nele, melhor dizendo. Tudo engrandece a melancolia. Dolores Duran, onde estiver, deve estar batendo palmas para essa música.

“Olhos e sinais” nos empolga a irmos atrás de quem amamos. O saxofone dá uma pitada a mais de charme.  Como quando ela canta “como luz na fresta, feito digitais”.

A letra de “Minha senhora” é a melhor do disco: “no céu desliza a lua lentamente, e meu corpo desabrocha feito flor tatuada, flechas do vício alvejando o meu peito, teu prazer é minha morada”. Em suma, fala (também) da mulher que assume o que é. Quer entender as mulheres? Comece por essa faixa.

“Do mar e seus encantos” é uma faixa que mostra que Miriam não faria feio na família Caymmi. Zizi Possi deveria gravar essa música urgente: parece que foi composta para ela, talhada para o timbre dela (também). Uma música dolorosamente bela, muito provavelmente fruto da vivência de sua autora com o mar. (visto que ela nasceu no litoral paulista, vale lembrar).

A última canção, “Mãe natureza”, Miriam dedica a sua mãe. Também nela consta um verso que define as cantoras brasileiras de verdade: “guerreira nascida no ventre da terra”. A percussão faz uma ponte que leva até Clara Nunes e seu canto e repertório particulares. O ouvinte esboça um sorriso na hora da audição (o canto dela nos rouba esse sorriso com a melhor das intenções). No começo dessa faixa ela canta o seguinte verso: “vem me abraçar...”. Já estamos fazendo isso querida, pode ter certeza.

Escute o CD aqui:

1º Cantiga de menina



2º Sonho azul



3º Sinal fechado



4º Sem avisar



5º Riso de paz



6º Desilusão



7º Saudades de mim



8º Novo dia



9º Pra renascer



10º Olhos e sinais



11º  Minha senhora



12º Do mar e seus encantos



13º Mãe natureza



 

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