Delia Fischer
O nome Delia tem sua origem no latim e significa “referente a vale, montanhas”. Mais importante do que essa breve (bem breve) explanação, é sabermos que aqui no Brasil podemos colocar o significado desse nome em prática. Mas, como isso é possível? Simples: é só ser ouvinte da cantora, compositora e pianista Delia Cristina Martins Fischer. Quer dizer, Delia Fischer.
Nascida no Rio de Janeiro em plena década de 60, especificamente em 1964 (é deselegante revelar a idade de uma mulher em público queridos), período esse
onde a música popular brasileira já começava a se firmar, seja no tropicalismo, na Jovem Guarda ou no samba. Delia já nasceu em um mundo onde a necessidade de determinados grupos de artistas era simplesmente se expressar por meio do que a arte poderia oferecer.
Em 1977 Delia já começava a ter aulas de piano com Salomea Gandelman. O ano de 1986 marca o começo de sua carreira profissional como integrante do “Duo Fênix” ao lado de Cláudio Dauelsberg.
Passamos para a década de 90, onde o duo se desfez, com Delia começando a delinear o que viria a ser a sua carreira solo. Após ministrar workshops de piano musical e improvisação por diversas cidades brasileiras, e de ter acompanhado artistas que vão de Toninho Horta a Baby do Brasil e Jane Duboc, dentre outros, ainda participou do “Tributo a Elis Regina” em 1997 e “Brasil 500 anos” em 1998, ambos realizados pela Rede Globo de Televisão.
Um ano depois sai o seu primeiro disco solo, intitulado com o nome do seu filho, Antonio, sendo lançado apenas no mercado norte-americano e europeu pela gravadora Carmo-ECM, do grande Egberto Gismonti. Mesmo sendo um disco instrumental, causou certo barulho, recebeu críticas favoráveis e ainda mostrou uma instrumentista afiada. Em 2010 Delia lança o seu segundo disco, “Presente”, onde resolve cantar e o faz com maestria. Fica a sensação de que ela já deveria ter feito isso há muito tempo. No ano de 2011 sai o disco “Saudações Egberto”, que como o próprio título já explica, trata-se de versões pessoais e delicadas de uma cantora saudando um grande mestre da Música Universal Brasileira.
Na entrevista a seguir, você confere uma revisão da carreira dessa cantora carioca, onde ela fala do seu início na música, sua relação com os grandes musicais que vem sendo feitos no Brasil, como foi parar na banda que acompanhou a cantora Ana Carolina em sua última turnê, como “concebeu” seus três “discos-rebentos” e muitos outros assuntos que são elementos obrigatórios na sua biografia.
Salomea Gandelman lhe iniciou no piano em 1977. Qual a importância dela na sua carreira?
Salomea Gandelman foi meu primeiro contato com a seriedade da música. Naquela época, longe da internet, sem TV a cabo, minha infância/adolescência foi recheada de Debussy, Ravel, Ernesto Nazareth e antes disso, inúmeros métodos para construir uma boa leitura melódica e rítmica, aliado ainda com práticas de canto coral na Pro arte e aulas de percepção e teoria.
Você também estudou com nomes ilustres: Antonio Guerra Peixe e Luiz Eça. O que eles acrescentaram a sua persona artística?
Com Guerra Peixe foi fantástico ver como ele estrutura melodias e harmonias, e isso me fez aprofundar a minha relação com a composição e orquestração.
Luiz Eça foi a pessoa que me fez entender que meu caminho não seria pela academia, apesar de me utilizar dela para me aprofundar nos estudos.
E nesse caso não poderia deixar de falar do meu mestre da voz que é Felipe Abreu. Com ele descobri outras possibilidades da minha voz. Comecei o trabalho com ele na preparação do meu CD autoral, “Presente”.
Sua iniciação profissional foi com o "Duo Fenix", formado por você e o Claudio Dauelsberg. Inclusive vocês lançaram dois discos juntos que tiveram boa recepção. Quais são as suas impressões dessa época?
Considero o Duo fênix meu ingresso na profissão, pois ali mostrei em shows minhas primeiras composições.
Gravei arranjos e parcerias, me apresentei pelo Brasil e exterior pela primeira vez. Eu e Claudio Dauelsberg em tempo e dedicação total a esse trabalho, o que rendeu frutos imensos para a época.
Eu era recém-saída de grupos vocais e corais e nesse momento da vida não compunha músicas com letra, portanto, nosso trabalho era essencialmente instrumental. Na época, o jazz e a improvisação eram o alvo de uma geração onde os mais dotados de finanças normalmente iam estudar na Berckely School. Eu fiz a minha opção pelo Brasil e enquanto muita gente foi para os USA, eu ia regularmente ao Jabour ver os ensaios do Hermeto Pascoal. Junto a isso também fazia essas aulas de clássico com esses professores que já falamos antes.
Em 1999 você lançou seu primeiro disco solo, que leva o nome do seu filho, Antonio. Esse disco, instrumental, foi lançado pela gravadora CARMO-ECM do grande Egberto Gismonti e saiu apenas nos Estados Unidos e na Europa. O que a levou a lançar um disco instrumental e que não foi lançado no Brasil?
Demorei bastante tempo (pós Duo fênix) a ver e entender que caminho eu queria trilhar. Grupos terminam e muitas vezes acabam sem deixar aviso. Foi como o Duo parou. Durante um período grande experimentei ser "sidewoman". Trabalhei com muitos artistas e instrumentistas. Fui da banda do Ed Motta, Toninho Horta, tive duo com Nivaldo Ornelas e fiz inúmeras gravações. Foi uma escola que ainda não tinha passado, pois como te falei antes, me iniciei como compositora e integrante do Duo. Ainda não havia prestado serviços musicais a ninguém, e foi importante ver como outros artistas pensam e executam suas vidas. Entre tempo continuava a compor e percebi que poderia convidar todos com quem estava tocando para registrar tudo isso no CD "Antonio".
O caminho que o CD tomou foi por conta da vida, pois o Egberto recebeu a cópia e se interessou em lançar pela Carmo- ECM, levando meu filho-música para o mundo.
Nesse seu primeiro disco tinham músicas suas e você também atuou como arranjadora de todas as canções. Como foi essa experiência?
Na verdade nunca me preocupei em arranjar. Como já te falei, tive uma formação clássica, estudei pelos métodos da escola erudita. No CD "Antonio" a abertura acontece com um quarteto de cordas e sempre gostei imensamente dessa sonoridade.
Sempre opto em utilizar as cordas por considerá-las versáteis, mas nas minhas produções autorais prefiro contar com a colaboração da banda. Normalmente apresento a ideia da base, mas gosto que os músicos tenham sempre muita liberdade para imprimir também a sua forma de tocar o seu instrumento.
Uma faceta sua que as pessoas estão conhecendo mais é a atuação em musicais tarimbados. Como o espetáculo "7 - O Musical" (2007) do Ed Motta, Claudio Botelho e Charles Moeller, que você mesma orquestrou. O que a levou a trabalhar em musicais?
Sempre adorei teatro, e na verdade voltei por onde comecei, pois minha primeira experiência profissional ainda adolescente foi compor para teatro.
Em 2007 o Ed Motta, que estava compondo “7 O musical" com Claudio Botelho e texto de Charles Moeller me convidou para o projeto. Fui convidada a orquestrar e desde então continuo envolvida com musicais, e acho que o Musical veio ocupar um espaço maravilhoso, dos grandes elencos, orquestras e tratando a música com a seriedade e envolvimento que precisa, por isso me sinto tão confortável nesse lugar .
Ainda falando em musicais: em outubro de 2009 você se apresentou no Maison de La Danse, em Lyon na França com o espetáculo “Beatles num céu de diamantes”, da dupla Claudio Botelho e Charles Moeller. A também cantora Marya Bravo fez parte do elenco. Como foi trabalhar com ela?
“Beatles num Céu de Diamantes” foi um espetáculo incrível. Começou sem nenhuma pretensão, como se fosse uma grande brincadeira, sem verba, sem patrocínio e ficou 4 anos em cartaz. Ganhei o "Prêmio Shell" ao lado de Jules Vandystadt pelos arranjos.
Nessa peça eu tinha meu momento de solista ao cantar “In My Life" e era uma delícia estar ali cantando numa peça toda dedicada a Beatles. Agora isso acontece novamente no "Milton Nascimento - Nada Será Como Antes". Dessa vez eu canto mais canções e também fico mais na cena, saindo do piano, pois a proposta da peça é que todos sejam atores-cantores - instrumentistas.
Temos atores-cantores-músicos que tocam piano, bateria, violão guitarra e etc... E isso acontece lindamente com um elenco afiado, preciso e profissional. Marya Bravo esteve em “Beatles” (o espetáculo) e está também em “Milton” nos brindando sempre sua tarimba e incrível experiência.
Uma coisa muito bacana foi a sua participação no elenco do musical “Milton Nascimento – Nada será como antes”, onde além de trabalhares como arranjadora e pianista, você fez parte do elenco. Participar do elenco, no palco, qual o motivo?
Adorei o convite de estar no elenco, pois a única peça que fiquei tocando e cantando foi “Beatles” e isso acontece de novo em “Milton”, com novos desafios e novas propostas.
Geralmente, quando faço direção musical e arranjos não acho salutar entrar muito na peça e prefiro sempre ficar de fora. Ouvir para realmente poder fazer a direção musical. Ver de fora o espetáculo é importante para poder efetivamente dirigir.
Em Milton fiz as orquestrações. A direção musical é de Claudio Botelho, portanto, fico feliz de poder ficar tocando e cantando, ainda mais nesse espetáculo. A parte experiência teatral é lidar com as repetições, as marcações de cena e entender essa dinâmica, portanto, sinto que tudo me acrescenta como artista de uma maneira geral. Fico feliz demais em poder aprender e ainda estar ao lado de grandes diretores.
Seu segundo disco, “Presente”, foi lançado em 2010. Nele, você resolveu cantar e o fez muito bem. O disco conta com participações que vão do Egberto Gismonti a Ana Carolina, passando pela belga Lisa Nilsson, dentre outros. Como chegastes ao repertório desse disco? Como ele foi concebido?
O CD "Presente" é um trabalho que representa o que quero e faço hoje, por isso o título. O repertório foi composto aos poucos.Quando fiz e lancei o CD "Antonio", tive um período de recesso. O CD ganhou o mesmo nome do meu filho e ambos eram bebês. Continuar compondo, viajando por aí, não seria uma tarefa das mais simples.Depois disso, aos poucos percebi que o texto e a voz eram uma necessidade artística para mim. Me preparei com calma para isso. Encontrei meu professor de canto Felipe Abreu, que além de fazer a preparação vocal do CD ainda me deu um enorme incentivo a realmente produzir mais canções e seguir mostrando meu lado autoral.
Já no "Antonio" você ouve momentos vocalizados, mas ainda não tinha encontrado as palavras. Encontrei parceiros e novamente convidei pessoas que estavam próximas de mim durante esse período para participar. Todos são amigos queridos. Os músicos, as participações especiais e o saldo disso foi achar um caminho que me representa imensamente, no qual continuo trilhando, procurando a junção das canções com arranjos mais ousados, dando espaço também ao meu lado instrumentista.
Agora estamos em 2011. Seu terceiro disco solo chama-se “Saudações Egberto”. Quem conhece sua carreira sabe da importância dele para você. Esse disco foi uma forma de homenageá-lo?
O projeto "Saudações Egberto" já havia sido concebido anos atrás, até mesmo antes do CD "Presente". Já havia pensado em grande parte do repertório. Também já havia o convite para o próprio Egberto participar e ele já havia me dado todo apoio. Resolvi mudar a direção para o "Presente" por perceber que precisava mostrar e registrar minhas composições, e decidi aguardar alguma proposta ou parceria financeira para gravar o "Saudações Egberto", pois esse CD precisava ser gravado num estúdio grande, os músicos juntos em vários momentos. A música precisava acontecer com a mesma respiração, e isso hoje em dia só pode acontecer em lugares raros, com excelente piano , ótimos equipamentos. Deixei a ideia como semente esperando o momento certo. O momento aconteceu ao ganhar o prêmio "Sesc Rio" de fomento a cultura, proporcionando toda a execução e criação do projeto. Para isso, fiz novos arranjos, convidei novos parceiros para letrar músicas que nunca foram letradas antes e fiquei feliz de poder trazer a obra de um grande mestre para novas gerações e resgatar músicas da minha alma que me influenciaram a escolha da minha profissão.
Nesse mesmo disco, você canta uma letra inédita do Ronaldo Bastos para a canção “Pêndulo”, que conta com vocais do Paulinho Moska e a participação mais do que especial do próprio Egberto Gismonti, em carne e osso. Como foi que tudo isso aconteceu?
Isso tudo foi bem pensado e planejado. A questão desse CD "Saudações Egberto" sempre foi trazer algo pessoal , uma leitura com algo meu que pudesse estar ali, até por se tratar de um músico, arranjador, compositor completo, não haveria nada de melhor do que já foi feito, mas sim algo pessoal que quis colocar e foi isso que fiz.
Cada arranjo e canção tem alguma história para ser contada. "Um Outro Olhar" foi gravada no álbum "Sonho 70" de Egberto e era uma canção que nunca havia tido letra. Achei interessante propor essa parceria inédita entre Ronaldo Bastos e Egberto. O título da canção com letra define completamente meu trabalho do "Saudações" por justamente trazer o olhar novo, o olhar da paixão que não se perde com o tempo, como ele bem fala na frase " guardar o olhar da primeira vez".
Paulinho Moska é um cantor compositor por qual tenho imensa admiração, e o convidei a participar. Ele veio com muita intimidade com a música do Egberto, e criou novos vocais. Foi uma gravação muito feliz. Egberto adorou toda a novidade, as letras e veio tocar feliz e receptivo, pois antes de tudo, quero homenagear um dos nossos grandes compositores de todos os lugares e tempos. E ele assim entendeu, e foi extremamente receptivo com todas as criações sobre a obra dele.
O novo projeto da cantora Ana Carolina, “Ensaio de Cores”, conta com você na banda. Você pode nos contar como surgiu esse convite?
Fui professora de piano da Ana Carolina e nesse período estava gravando meu CD "Presente". Aconteceu na época esse encontro e ela fez uma linda participação na faixa “Flor da noite". Depois disso, Ana teve a ideia da banda para qual recebi o convite do projeto "Ensaio de Cores"
O show foi concebido para ser um projeto de 3 ou 4 shows. Durou quase 3 anos , virou DVD e acho que agora chega ao fim da temporada, e é sempre um grande prazer dividir o palco e ter a companhia de Ana, Lan Lan (percursão) e Gretel (Paganini, violoncelo).
Burburinhos já começaram e muitas pessoas estão curiosas desde já: você fará a direção musical do que está sendo anunciado e esperado como o maior espetáculo existente no Brasil – “Rock in Rio, O Musical”. O que podes nos adiantar sobre isso?
Como o teatro é vivo e a criação está acontecendo agora, só posso te adiantar que a peça tem tudo pra ser maravilhosa. O texto de Rodrigo Nogueira é inteligente e divertido, o elenco está afiado, com garra, e a direção é do maravilhoso João Fonseca. O repertório será baseado em vários períodos do festival.