Consuelo de Paula - Casa
Consuelo de Paula resolveu abrir as portas que dão acesso a sua residência. Pelo menos é o que o ouvinte entende quando escuta o seu mais novo disco, “Casa”, lançado no último mês de outubro. E essa casa foi construída com o melhor que a nossa música popular brasileira pode oferecer: Consuelo é acompanhada pela Orquestra À Base de Corda; todas as composições foram feitas com o inesquecível Rubens Nogueira; os arranjos ficaram por conta de João Egashira, Dante Ozzetti, Chico Saraiva, Weber Lopes, André Prodóssimo, Luís Otávio Almeida e Luiz Ribeiro. Com uma casa frequentada por esses talentos, quem ousaria negar um convite para uma visita?
Nesse novo álbum, concepção, direção e produção ficaram a cargo da própria Consuelo. O que reforça o caráter extremamente pessoal de uma carreira fonográfica iniciada em 1998 com o lançamento do CD “Samba, Seresta e Baião”. Consuelo é dona do seu tempo, de sua obra e de sua arte, cuja qual controla baseada em instintos artísticos que remetem ao saudoso tempo em que as grandes cantoras nasceram, morreram e depois foram parar na história da nossa música tupiniquim e na memória afetiva dos ouvintes. A casa de Consuelo de Paula acolhe os agraciados com ouvidos exigentes, retribuindo a visita/audição com um disco que revela mais uma vez um trabalho consistente, pautado nos sentidos aguçados de quem sabe o que está cantando. Rubens Nogueira, onde estiver, está colocando esse disco no repeat.
A primeira faixa, “Convite” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira), já demonstra todo o lirismo numa voz que chama a atenção. A letra contem algo que consiste no lúdico, no artesanal: “vou varrer a minha casa, pentear o meu cabelo, um segredo te revelar, perfumar o meu terreiro, enfeitar minha varanda, um mistério irei guardar”. A dicção exemplar deveria servir como lição de casa para algumas cantoras novatas. É uma belíssima canção para dar início aos trabalhos.
“Marinheiro” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) começa de um jeito específico... Até o samba chegar sem pedir licença. O ouvinte agradece. A letra faz conexão direta com o universo poético de Dorival Caymmi: “fui buscar tesouro perdido no fundo do mar, encontrei um samba que fez meu navio dançar, era dança de água e sal, um samba de amor, era a rosa do coração de um navegador, céu de janeiro, é tempo de ancorar”. Samba de categoria é com a Consuelo, não acha?
“Desafio” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) tem metáforas bem elaboradas para falar sobre as pessoas que cuidam dos seres amados: “preparei uma cesta de cores, frutas e amores em festa, cheiro de hortelã, pra curar tuas dores, levarei duas pedras brilhantes”. O arranjo parece ter sido feito a imagem e semelhança dela, logo, inferimos o tratamento diferenciado que esse disco recebeu.
“Notícias” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) parece cantiga de ninar. Cecília Carollo participa no vocal, resultando num contraponto gostoso de escutar. É uma faixa que faz o ouvinte voltar no tempo, mais especificamente a época da infância (o arranjo ajuda nisso).
A próxima canção foi batizada como “Borboleta” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira). Nada mais propício, afinal, estamos falando de uma voz que faz o ouvinte voar cantando uma música chamada “borboleta”. Dá para imaginar perfeitamente a Maria Bethânia cantando essa faixa, que tem uma beleza sutil. Caro ouvinte: tente não ficar arrepiado, com a pupila dilatada e o coração descompassado quando a Consuelo cantar o seguinte verso: “sua casa é minha casa, pintura e quimera”.
Ouvindo “Espera” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) chegamos a seguinte conclusão: as composições da Consuelo de Paula pertencem tanto a ela, tem tanto a “cara” dela, que poucas cantoras conseguiriam interpretá-las com êxito. O arranjo melancólico dá uma força sobrenatural a essa canção, com destaque para o violão. Canção lindamente doída.
“Navegações” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) é uma música que se encaixaria perfeitamente na trilha-sonora do filme “O Céu de Suely”, embalando a personagem interpretada pela atriz pernambucana Hermila Guedes (que leva o mesmo nome do filme citado). A letra é a mais triste do disco: “o fundo dos meus olhos, traz um brilho negro, traz lágrimas jogadas ao mar, saudades eternas de algum lugar, o brilho dos teus olhos traz um canto negro, traz páginas escritas no olhar”.
“Destino” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) tem um dos versos mais inspirados desse disco: “trago a luta no meu ventre e o perdão nos meus porões”. O arranjo de André Prodóssimo é a cama perfeita para Consuelo destilar a dose certa de emoção na voz (ou seria uma dose maior?).
“Azul” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) ganhou letra que faz um jogo de palavras inteligente com essa cor, reforçando a poesia da letra: “o azul esconde, ele foge do olho, dissolve no olhar, o azul escapa, ele tapa meu olho, e some no altar, é a cor que mente, é a dor que sente, colorido ausente, presente no céu”. Faixa onírica, cuja audição faz o ouvinte imaginar o céu e seus mistérios.
“Fé” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) mais uma vez brinca com as cores na letra: “rosas pra senhora passar, carregando o azul do céu e do amor, a cor da santa é a mesma da folia, num dia de carnaval”. Ou então: “a cor daltônica da dor que reza e samba”. Sambinha triste que vai crescendo, contagiando...
“Réquiem” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) recebeu arranjo luxuoso do grande Dante Ozzetti. Observe como é bonito sentir o lirismo da voz da Consuelo, principalmente nessa canção. Tem um final arrebatador.
“Estrela” (Consuelo de Paula e Rubens Nogueira) é faixa instrumental com arranjo de Luiz Ribeiro. Mostra que além de ótima cantora e compositora, Consuelo é uma artista ousada e ciente de suas escolhas artísticas: afinal, fechou seu disco só com instrumentos, se sobressaindo a muitas cantoras que tem necessidade de mostrar que sabem cantar. Ponto para Consuelo.
Escute o disco aqui:
1º Convite
2º Marinheiro
3º Desafio
4º Notícias
5º Borboleta
6º Espera
7º Navegações
8º Destino
9º Azul
10º Fé
11º Réquiem
12º Estrela