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Simone Mazzer

 

Localizada no norte do Estado do Paraná, Londrina foi o município que viu Simone Mazzer nascer. E que se tornou pequeno para essa cantora e atriz radicada no Rio de Janeiro.



Junto com a banda Chaminé Batom lançou dois discos independentes, chegando a fazer uma média de 150 shows por ano. O teatro, especificamente a “Armazém Companhia de Teatro”, a levou para a cidade maravilhosa. A música, o tesão pelo cantar, é fator responsável por toda a atenção sobre a sua carreira. Os privilegiados que puderam vê-la, antes de tudo, senti-la, durante a longa temporada de shows que fez no Bar Semente da Lapa em 2011, garantem que Simone é um verdadeiro gozo no palco.

Dona de uma beleza nada óbvia (tanto fisicamente como musicalmente) que foge das moças que estampam capas de revista revelando suas dietas milagrosas (o que é bem mais interessante), Simone Mazzer é um tornado que surgiu há muito tempo e que veio para causar, despertar e fazer diferença dentro do cenário musical brasileiro. Ela revive a chama das cantoras extremamente teatrais, e que infelizmente estão virando espécie em extinção na fauna e na flora da música popular brasileira. Eclética, ignora rótulos e canta o que quer, coincidentemente, acaba cantando o que nós, ouvintes, queremos escutar. Sua discoteca básica passa por Fiona Apple, Madonna Bjork, Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Elis Regina, só para ser breve. Seu show agrupa canções de Paulinho Moska, Amy Winehouse, Beth Ditto e todo mundo que cante algo que estimule a voz dessa senhora cantora.



 

Aos 44 anos, Simone prepara-se para lançar no ano que vem o seu primeiro disco solo, mas ainda esbanja energia e vitalidade de quem começou ontem. Estamos falando da dona de uma voz que há de ser muito escutada através dos anos que virão. O passado dedicado a inúmeras peças de teatro e serviços intensos a arte reafirmam o que estou dizendo.

Na entrevista a seguir, ela conta o que a faria aceitar um papel numa novela, descreve o dia em que prestes a fazer uma peça, uma inundação no esgoto acabou com tudo, o que escuta quando faz faxina em casa, como foi parar no disco “Pet Shop Mundo Cão”, explica sua admiração por Bibi Ferreira, inacreditavelmente revela que cursou Educação Física para se tornar atleta, fala de uma cantora que é ótima companhia para beber junto e, ufa... Vamos ler logo? Essa menina é intensa, prolixa e devassa. Só Deus e o Diabo para a entenderem. Senhoras e senhores, primeiro sinal, com vocês, Simone Mazzer:

Você começou a cantar em Londrina (PR) com uma banda chamada “Chaminé Batom”. Como foi essa época? Como era o cenário musical para vocês?


Bom, não era muito fácil por se tratar de uma cidade no interior do Paraná, mas eu acho que a gente era muito determinado a seguir uma carreira musical. Éramos eu e mais três músicos. O tempo que o Chaminé Batom durou, cerca de 10 a 11 anos, foram muito intensos de trabalho, mesmo que no começo tenha sido de uma forma mais descontraída, descompromissada. Melhor dizendo: no meio do caminho a gente resolveu viver disso, então cada um se desligou dos seus respectivos empregos e a gente passou a se dedicar exclusivamente a música. Isso era uma coisa rara, acredito, para músicos de banda nessa situação.  A gente passou a viver disso por muito tempo e fez muitos shows. Tinha ano que a gente chegava a fazer 150 shows, que até hoje é muita coisa.

 

Inclusive lançaram dois álbuns...


É, a gente lançou dois registros muito independentes que foram muito legais de fazer. A gente não tinha o menor conhecimento de como fazer. A gente queria fazer, a gente foi lá e fez o vinil, que foi o primeiro disco que a gente lançou. Um EP na verdade, que eram só quatro faixas. A gente lançou esse EP em 93, depois de um tempo a gente lançou um CD em 95. Tudo assim: a gente fazia, a gente vendia antes de gravar, ia conseguir arrecadar grana pra fazer.

 

Não tinha apoio de ninguém, só força de vontade de vocês...

 

Exatamente. Naquela época não existia essa facilidade. A gente não tinha esse acesso na internet como hoje. Essa ferramenta que hoje em dia é super bacana, o tal do “crowdfunding”, por exemplo. Só que a gente ia atrás da pessoa, de empresários locais ali, amigos próximos. Falávamos: “vamos comprar um pacote de dez CDS e aí você ajuda a gente a gravar”. E foi aí que a gente fez. Quando lançamos o CD, na verdade, ele já estava vendido.



Curioso: quase 150 shows por ano e sucesso concentrado no sul do país, não é?


Totalmente concentrado em Londrina, por ali. Nem Curitiba a gente chegou a ir. Era uma coisa muito centralizada em Londrina e bastante interior de São Paulo,

mas a gente fazia esse circuito universitário, que virou uma coisa sertaneja agora. Era mais legal, mais aberto, sabe?

Compensa essa falta de incentivo de verba de uma gravadora com liberdade artística...



Sim. É, a gente fazia. A gente era bem “atrevidinho”, fazíamos muitas coisas que hoje eu olhando pra trás e vejo que era muito legal, tinha uma qualidade consideravelmente boa, mas como exatamente por não ter essa estrutura financeira, foi difícil manter. Eu morei em londrina até em 97...



 

E agora você está no Rio de Janeiro, não é?



Em 97 eu me mudei de Londrina para São Paulo, para trabalhar com música. De São Paulo vim pro Rio. Chegou uma hora em Londrina que infelizmente, mesmo eu adorando a cidade, a minha família toda e amigos ainda morarem lá, eu não conseguia mais sobreviver do que eu fazia. Tive que optar por sair mesmo.



 

Chegou uma hora que só ficar em Londrina não dava mais, tinhas que sair de lá mesmo, precisavas de mais espaço...



Era isso mesmo, me desafiar mais. Eu acho que pra minha carreira foi necessário, pra minha evolução como artista foi necessário, para o meu amadurecimento como pessoa e como ser humano. Entender direito o que é que é ser artista. Eu precisei sair de lá e o que eu acho legal de certa forma, é que eu nunca pensei nisso, eu nunca ambicionei isso.



 

As coisas foram acontecendo...



Foram acontecendo. Quando eu vi já tava morando aqui no Rio e eu vim pra cá com uma companhia de teatro, por que no meio disso tudo eu me descobri atriz também, e a companhia se mudou pro Rio. Eu vim pra cá passar uns dias e acabei ficando. Aí eu me dediquei ao teatro quase que exclusivamente por aproximadamente 19 anos. Fui indicada (a prêmios), ganhar não ganhei não (risos)...

Para um artista se consolidar a melhor opção ainda é estar circulando no eixo Rio-SP?



Não, hoje em dia eu acho que é diferente. A gente tem ferramentas que contribuem para você mostrar o seu trabalho sem precisar ir para os grandes centros. Eu acho super possível. Mas assim, eu acho necessário você transitar nos grandes centros. É importante você estar levando o seu trabalho para essas grandes cidades. Hoje você tem que organizar cronogramas de trabalho de uma forma que você passe por todos esses grandes centros e também centros menores, por que a formação de público é fundamental, você precisa sair. Mesmo eu aqui no Rio, preciso mostrar o meu trabalho. E hoje a gente tem ferramentas que contribuem muito pra que isso aconteça, a internet, por exemplo, é uma coisa assustadora.

 

Tanto é que eu te encontrei pela internet.



Eu conheço muita gente só pela internet. Isso é muito doido e quando é usado para o bem é muito legal.



 

Eu te perguntei isso por que agora está acontecendo um "boom" de artistas paraenses que hoje em dia não estão restritos apenas as suas cidades. Transitam por todo Brasil e estão mais conhecidos.



Né menino?! Isso virou uma moda...


Virou mesmo, só que o Pará não é só o tecnobrega: existem muitas outras coisas boas em se falando de música.


Assim como Marcia Castro é de Salvador e ela insiste em dizer que: “gente, Bahia não é só axé, existem outras coisas”.



Não é só a coisa do trio elétrico, tira o pé do chão... Os artistas do Pará já fazem mais shows fora, antes era restrito, parecido com a tua situação em Londrina...

Exatamente. Eu acho que é um paralelo. Assim a gente consegue fazer uma ligação. Tanto que tem gente que até hoje trabalha com música só lá na região (Londrina). Quando muito dá uma esticadinha pra Curitiba ou São Paulo, mas isso ainda é uma prática.

Como foi a sua participação no disco “Pet Shop Mundo Cão” do Zeca Baleiro? Fale sobre esse encontro com ele.



Eu e o Zeca nos conhecemos num período em que eu morava em São Paulo. A gente tinha amigos em comum e aí me aproximei muito dele. Nesse momento, era bem a hora, um pouco antes de ele explodir. Mas a gente nunca perdeu essa ligação musical e quando ele tava entrando no estúdio pra gravar o “Pet Shop Mundo Cão”, ele me ligou e perguntou: “você topa fazer uma participação no disco?” Fazia tempo que eu não trabalhava como cantora, tava muito entranhada no meio teatral, estava meio distante da música. Aí eu adorei o convite, adorei a música e foi ótimo. A gente se conhece de longa data...



A sensação que eu tenho lendo sobre a sua carreira é que você sempre foi do teatro e foi sendo puxada para a música, é isso?


Exatamente o contrário. Sempre fui cantora, mas fiquei muitos anos só no teatro. Mesmo nos espetáculos que eu fazia, eu cantava. A dedicação do teatro que eu faço exige muito e é uma coisa que não permitia que eu desse conta de levar as duas carreiras. Sabe, paralelo, então de vez em quando eu olhava e dava pra fazer um show, eu dava uns tempinhos, eu fazia um aqui, um ali e sabe, pra eu continuar cantando. Agora, desde 2010 e 2011 eu resolvi me dedicar totalmente à música.



Estás gravando um disco solo?

Tô, finalmente. Agora eu consegui. Ele vai ser lançado, eu tô pensando aqui lá por 2013, ainda não sei direito. Parece que na mesma proporção que tudo fica mais fácil hoje em dia, também fica mais caro, e eu tô capitando recursos pra fazer esse CD. Eu tô na verdade indo com ele de uma forma bem tranquila, tô muito focada em divulgar e fazer bastante show pra justamente ajudar a divulgar esse meu nome, mas o disco é certo. Quem vai lançá-lo é o selo “Pimbas/Dubas”, que é o selo do Ronaldo Bastos, que também é um cara que acompanha o meu trabalho já há muito tempo, desde a época do “Chaminé  Batom”. Ele gostava muito e tinha vontade de fazer um trabalho comigo desde aquela época. Agora a gente conseguiu concretizar essa história e ele vai lançar o meu disquinho (risos).

Esse show tem um repertorio bem eclético. Já decidiu se o disco vai puxar essas coisas do show ou se vai ser uma coisa totalmente diferente?



Não, ele vai puxar um pouco sim. O show serve de uma base muito sólida pro disco. No show eu vou um pouco mais além por que eu uso canções de Bjork...



 

Da Beth Ditto (vocalista da banda americana Gossip)...



Isso. Eu acho que no meu CD essas músicas não vão aparecer. Pra show acho que elas super funcionam legal, mas pro meu disco, nesse momento, eu estou pensando em outras coisas completamente diferentes, mas a base é o show...



Nessa música da Beth Ditto (“Heavy Cross”), deve ser uma loucura no show.


Nossa, é muito legal...



As bichas devem ficar enlouquecidas...



Nossa, todas, não falta uma... (risos)



Acho muito legal pinçar várias coisas de artistas diferentes. Críticas preguiçosas podem dizer que é muito eclético. A própria Cassia Eller, por exemplo, fazia a mesma coisa e conseguia dar uma unidade ao repertório dela...

 

Exatamente. Esse é o grande desafio. Modéstia a parte, acho que eu consigo fazer muito bem sabe, por que essas canções, esse monte de autor, isso tudo é muito minha referência. Eu escutava tudo isso e ainda escuto de mais um tudo. Então não tem como. Na hora que eu vou me colocar diante do público pra exercer isso, o ofício de cantora, não tem como deixar essas coisas de fora. Eu adoro não ter rótulos, amo não ser uma cantora... “Ai meu Deus ela canta o que? Canta MPB? não! Canta Rock, não! Só canta jazz? Não sei...”.



E justamente num show que rola de Amy Winehouse a Paulinho Moska, não tem como classificar.



E aí eu toco assiduamente uma música da década de 40 e tudo fica muito colocado de uma maneira muito pessoal, fica muito com a minha cara, então essa unidade, o conceito do show, tá ali, mas eu sei e eu tenho consciência do risco que é...

É uma via de mão dupla.



Nessa vala comum, a cantora interpreta músicas de Sting, Bjork, Rita Lee, blá blá blá...Eu vou procurar um show no jornal para eu assistir, leio uma resenha dessas, confesso pra você que não vai me interessar. É um risco e um desafio muito grande eu conseguir fazer o que eu quero de música sem entrar nesse conceito raso.



 

É aquela coisa do perigo de cantar muitas coisas. Cássia fazia isso e parecia que tudo era dela...



Exatamente. Eu acho que é uma questão de tempo. As pessoas precisam conhecer o meu trabalho e ver o que é. Sem conhecer fica realmente difícil definir, fica difícil o publico ir. Mas a partir do momento que você conhece, eu acho que as fichas vão caindo...

 

A gente vai vendo quem é quem. Hoje em dia essas classificações da imprensa são tão chatinhas. Fulana canta samba, usa flor na cabeça e é monótona, sonolenta...



E difícil Arthur, não é fácil não. Esse nosso mercado tá muito amplo, tem espaço pra todo mundo por que hoje em dia todo mundo pode cantar, todo mundo pode atuar...



Hoje em dia é mais fácil gravar um disco...



É. Então a gente tem que aprender a lidar com esse nosso mercado inflado...


É uma loucura: uma grande gravadora quer lançar teu disco, mas ao mesmo tempo podes lançar por um selo pequeno, compensa não acha?



Eu acho que sim. Eu também não sei como funciona o outro lado. Eu tô muito satisfeita, não vou mentir pra você. Com relação a esse meu primeiro disco, por exemplo, a pessoa que tá a frente dele, pra mim, além de um ídolo, eu acho ele um cara fenomenal, que é o Ronaldo Bastos. Ele mudou e ajudou a mudar o conceito de música no Brasil. Confio cegamente no que a gente tá fazendo. Não sei como é uma grande gravadora. Eu acho que hoje em dia até as gravadoras passaram a repensar como lidar com os artistas.



A internet mudou esse cenário, não acha?



Todo mundo foi forçado a mudar. A gente tá vivendo um momento interessante, de adaptação, que pode ser muito positivo. É só a gente saber lidar com esse bicho novo (risos).

Tava vendo umas fotos suas cantando. Alguém já te falou que você lembra muito a Maria Alcina?


Ai que demais, eu amo a Maria Alcina (êxtase).

 

Parece que tu és filha dela...



Gente, que delícia... Ninguém nunca tinha me falado isso. Eu amo Maria Alcina. Eu acho ela atrevidíssima. Ela já fez coisas assim... Lindas...

 

Pisas no palco com muita segurança. Vem de uma pessoa que tem muita estrada ou por que você realmente se sente segura pisando no palco para cantar?



Acho que é um pouquinho das duas coisas, mas no começo eu não me sentia tão segura assim. Acho que todos esses anos de estrada só me ajudaram e o teatro, né? O teatro deu um tempero e tanto na minha carreira (fala com ênfase na palavra teatro). Então eu sou totalmente entregue ao que eu faço.

 

Mas isso dá para perceber.



Eu acredito...

 

Muito legal ver essa segurança. Vejo muitas cantoras que realmente sabem cantar, mas estão inseguras no palco. E isso acaba passando para o público.



Passa, nossa, se passa. A partir do momento que você é o centro das atenções não tem jeito. Você tem que estar ciente do que você tá fazendo ali, do que você quer fazer. Como eu te disse, a entrega é o principal ingrediente para você ter segurança no palco, no que você faz. Então eu sou muito entregue ao meu trabalho. Quem assiste meu show consegue ver um grande pedaço meu exposto ali, sabe?

 

Muito bom. As escolhas do artista respingam no público.



Isso é muito importante. A comunicação que existe entre a gente.



Hoje as redes sociais possibilitam estar mais próximo do artista, o que achas disso?

 

Acho bem legal... Acho também que abriu um canal que a gente nunca teve, mas que a gente descobriu que fazia falta. Deixa o artista mais humano, apesar de ser virtual. Aproxima você das pessoas. Você sabe onde ele (o artista) vai estar, que vai fazer show em tal lugar, que o show foi assim ou assado. Eu acho o máximo, eu gosto.



É justamente isso. O público que te segue nas redes sociais, sabe de algum evento e um vai passando pro outro, retwitta, curte e compartilha.

 

É, o boca a boca moderno é ótimo.



E me diz uma coisa: esse teu lance teatral, além de te ajudar muito no palco, me lembra de outra cantora, Maria Bethânia faz muito isso.



Assim, ela é a tal né? Eu acho que ela faz isso lindamente e ela tem um controle, uma presença maravilhosa.

 

O Brasil é muito rico de cantores e cantoras, que a gente quase não fica sabendo, mas existem pessoinhas muito especiais espalhadas por aí com esse mesmo dom, essa presença...

Essa coisa magnética.



Por que é hipnotizante né? Quando a pessoa entra no palco toda iluminada... Falando nisso outro dia eu fui assistir a um show da Bibi Ferreira.


Amo...



Meu Deus do céu... Eu já tinha visto uma vez e eu sempre saio com a mesma impressão: babando. Quando ela entra parece que as nuvens do céu se abrem, é a impressão que eu tenho, não sei, mas acontece alguma coisa e lá vem à dona Bibi, aquela coisa linda, acho demais.



 

Ela (Bibi Ferreira) é um exemplo de quem se entrega pra arte há quase 90 anos e chega de uma forma...



Exatamente. E pra você ver: o show dessa mulher com 90 anos e a voz dela limpinha, sabe? Assim, afinadíssima, tudo bem, com sérias limitações para caminhar, disso e daquilo, mas não deixa a desejar em nada. Também, ela tem 90 anos. É uma história ambulante. É demais!

 

Eu costumo dizer que ela serve de exemplo para várias cantoras que nasceram ontem e que já se acham a maior de todas as divas. Acho que elas precisam olhar, se curvar e saudar a Bibi, por que ela é incrível...



Acho, acho também. E se você perguntar para a Bibi se ela se acha uma diva, ela ainda vai dizer que não se acha, por que normalmente a diva não se acha diva (risos). É um título né? É muita gente se achando diva...


Muita. E isso é outra coisa que vai direto em contraponto com as redes sociais... Por que elas acabam contribuindo para desconstruir a imagem da diva, da mulher intocável. Acho que hoje as divas estão na verdade cada vez mais próximas do seu público.



Acho que hoje em dia o nosso tempo é outro né? Às vezes eu me pergunto sobre a questão da velocidade das coisas, hoje tudo é muito rápido...



Muitas vezes a pessoa que nasceu ontem, amanhã já é rainha. O endeusamento, a questão da diva, vem com o tempo. Acho que o teu trabalho mostra quem tu és.



Exatamente. Isso que você falou diz tudo: “o tempo mostra, o trabalho mostra”. Temos que buscar fazer o nosso trabalho direitinho, fazer as coisas com dignidade, com seriedade. O que você acredita é o que você vai ouvir de você.



Você acha que essa variedade de repertório, essa pluralidade, pode confundir o público ou as pessoas já estão vendo quem tu és e já sabem o que podem esperar de ti?


Eu acredito que é favorável pra mim. É positivo e acho que à medida que as pessoas vão conhecendo o meu trabalho, elas vão se identificando de alguma forma, sabe? Isso tem sido bem legal de observar nos shows que eu venho fazendo. As coisas que eu tenho escutado das pessoas a meu respeito. Posso te dizer que tô bastante satisfeita. Tô curtindo.  Acho que todo esse repertório que eu uso, escuto, é reflexo meu, sabe? Não tem como baixar esse dispositivo.

Concordo plenamente com isso. Tô encantado. É bacana de conversar com alguém que tem vivência, que já traz uma história...



Que legal, eu fico feliz.

Eu tava querendo te divulgar no blog há muito tempo... Gosto dessa coisa teatral. Essa postura das cantoras minimalistas, que se movimentam pouco no palco, já deu.



Tem pessoas que são mais contidas e tudo. Tem de todos os jeitos. Agora o resultado mesmo a gente vê no palco.

 

Já ia lhe perguntar: pra você, o palco é a prova dos sete?



É totalmente, ainda mais hoje em dia. Pelo menos antigamente eu poderia virar pra você e falar que no estúdio a gente vê mesmo quem canta, por que antigamente não existia recurso nenhum. Era só um microfone pra cantora se virar na frente da orquestra mandando bala, e você ali na frente dela...



Isso...

 

Então era pra quem era bom mesmo, não tinha solução. Hoje todo mundo pode entrar no estúdio e gravar, até pessoas que não cantam hoje tem recursos que afinam a voz, que inventam uma voz. Eu acho que hoje em dia onde você tira a prova dos sete é no palco, por que é um conjunto de coisas, não é só voz. Você tem que entender o que a pessoa tá cantando, você tem que ver a pessoa cantando, a interpretação no palco, ou seja, é um conjunto de coisas.



É por isso que eu não gosto de avaliar o trabalho só pelo disco. Gosto de ver ao vivo, de ver como flui. Acho isso uma coisa bem bonita pra quem gosta de música de verdade.



Eu também curto. Acabou que disco é disco e palco é palco. É lógico que o disco é uma grande representação do que você faz no palco, mas estar no palco é outra coisa.

Continuando a falar sobre o repertório do seu novo show: você regravou “Noites”, canção da Andreia Dias.



Tem, tem. Adoro o trabalho dela.



Eu amo também. Já vi um show dela, milagrosamente em Belém (o jornalista que vos fala morou durante 22 anos em Belém, capital paraense).



Olha... Que demais. Eu nunca consegui assistir um show dela por que ela tava mais pra São Paulo do que no Rio, e foi uma época em que eu pouco ia a São Paulo, então nunca a vi no palco. Em compensação tenho os dois discos dela e já escutei muito.

Inclusive tem resenha do último disco dela, o “Vol.2”, aqui no blog.



Sim, sim.

Essa sua regravação da música “Noites”: você teve alguma conversa com ela (Andreia Dias, a compositora)? Tens algum tipo de contato? E como você chegou até ela?



Coisa de fã. Eu escutei, gostei e falei: “ah, vou colocar uma música dela no repertório”. E depois que eu a conheci pessoalmente, por que acabei sabendo por acaso que tínhamos amigos em comum, mas não a conhecia. Só fomos apresentadas há pouco tempo. Putz! Adoro o trabalho dela, acho genial. Ela tem umas coisas ótimas. E adoro ter a música dela no repertório. Adoro mesmo.


Acho muito interessante a música “Noites”. Meio psicodélica, brega, uma mistura bem legal.



A gente acabou dando um clima pra essa música bem... Cabaré...

 

Adoro!!!



Ficou uma coisa meio tango, meio estranho, meio irônico, meio tudo, adoro...



É aquela coisa da composição irônica, crítica. Acho inteligente.



É. Ela faz numa medida interessante. Poxa, eu gosto bastante do trabalho dela, e ela é boa. Prova disso que tá lançando aí o terceiro disco dela agora em novembro.

 

Sim, “Pelos trópicos” (nome do disco novo dela).



Tô bastante curiosa pra ouvir.

 

Cada faixa foi gravada com alguém. Ela passou por vários Estados brasileiros e pegou uma espécie de talento emergente. Em Belém, por exemplo, ela gravou com o Felipe Cordeiro.



Achei isso muito bacana dela, acho que pode ser interessante.



É verdade. Essa ideia de lançar o disco desse jeito parece muito, sei lá, antiga. O lance de viajar, pegar uma estrada indo agregar parcerias. Acho que isso soma muito para o artista, pra carreira...



Ah, sem dúvida. Nossa, sem dúvida. O artista só tende a crescer, acho muito importante.

A gente tem uma coisa em comum: gostamos de coisas meio estranhas, que misturam tango, jazz, blues. Aquela coisa sofrótica.



Ah, eu adoro uma melancolia. Se você soubesse que eu tenho um pezinho na tragédia. Sou bem exagerada (risos). Eu gosto dessas músicas com tons mais dramáticos.



A gente aqui de casa também gosta.



Acho que é por que tem outro colorido, meio intenso. Por isso que a gente gosta. É intenso, chega te arrepiando.



Aqui, adoramos fazer faxina ouvindo Maysa e Maria Bethânia (risos).



Eu faço faxina ouvindo Frank Sinatra (mais risos).



É, somos pessoas estranhas.



Uma coisa que sempre me intrigou bastante, é que na época do rádio, você via aquelas ultra cantoras, maravilhosas, na maioria das vezes ninguém sabia o rosto delas, por que só tinha a referência ali da voz, do que era falado e como era falado, então existia um cuidado tão grande de como transmitir música pras pessoas. Eu acho que é isso que fazia a diferença.



Uma coisa que eu penso, não sei se você concorda. O novo Reality musical da Globo, o “The Voice”, apresenta uma proposta diferente: os jurados ficam de costas e escolhem os candidatos pela voz. Eu acho que deveria ser assim desde sempre. A aparência não é um negócio tão importante assim. Nos tempos atuais precisamos de pessoas que realmente cantem de verdade.



Acho que se você tá ali pra julgar a voz, tem que pensar na voz.

Eles pensam no pacote. Se você cantar relativamente bem e tiver uma boa embalagem, entenda-se por isso que tem que ser bonito (a).



Você já me viu né, meu filho? Eu sou uma mulher muito pequena (risos). Calcula o que eu passo: eu sou grande e curto ser assim. Eu só sei que chego chegando. A gente tem que se adaptar (risos).



Eu te entendo. A maioria das minhas amigas são grandes e felizes.



É, imagina, tô ótima, eu hein... (risos)



Eu acho que se você se sente bem, então arrase...



Acho que você tem que ter suas preocupações com saúde, tem que cuidar, mas tudo estando saudável, ah, foda-se, vai embora... (risos)



Simone, uma coisa muito curiosa que eu tava lendo é a questão que você é formada em Educação Física, como foi isso? Onde a Ed. Física entrou na sua vida?



É, eu sou formada em Educação Física (risos). É esquisito por que como eu te disse, eu nunca pensei em ser artista. Eu cresci jogando vôlei e durante um tempo da minha vida só fazia isso. Fiz uma faculdade visando uma carreira de atleta, mas no meio do caminho eu acabei me machucando. Por causa do machucado não consegui jogar e foi aí que um amigo músico querido, irmão meu, me levou pra assistir um ensaio de um coral que ele cantava. E eu fui 1, 2, 3, 4, na 10º ele virou pra mim e disse: “vamos cantar? Já que você tá aí”. Então eu comecei meio assim, totalmente por acaso. Eu sou uma pessoa bem desligada. Eu agradeço a Deus todos os dias por isso. Eu encontrei uma coisa que eu sabia fazer legal, eu adorei. Por isso que eu sou formada em Educação Física, entendeu?



Sim. Já pensou você nas Olimpíadas jogando vôlei?



Não é? (risos)

 

Ninguém acredita, mas eu também já fui do esporte e quem me vê hoje em dia nem imagina.



Eram épocas diferentes. Quando eu jogava ninguém recebia nenhum centavo, e olha que eu jogava pela seleção da cidade, assim, tinha um glamour, vamos falar assim, mas era todo mundo pelo amor ao clube e a camisa.



Todo mundo fazia por amor mesmo?



Sim, sim. Agora, hoje em dia, veja bem o nosso futebol como é que é... Fábrica de fazer dinheiro...



Eu digo que o pior de tudo é que desse meio de jogadores ainda saem atores de comerciais de tudo que se possa imaginar. Enquanto isso tem muito ator bom aí desempregado. Mas enfim...



Nossa é uma fábrica de talentos. Você vê? Todo mundo...



Hoje em dia o caminho mais fácil para ser ator é jogando futebol...



E é um perigo isso. Essa coisa da “celebridade” virou uma coisa muito... Parece que é mais importante você ser celebridade do que você ser um bom atleta, por exemplo. É quase isso...



A Maria Bethânia diz que “o sucesso é um senhor muito perigoso”.


Eu concordo com ela. Se você não souber administrar, menino, você vira um monstro...



É verdade. Hoje em dia as pessoas dizem que no Brasil quando você sacode uma árvore cai um milhão de cantoras. Dessas cantoras novas qual você tem escutado? Que você já ouviu muito?



Sabe quem tô ouvindo muito por esses tempos? Blubell, você conhece?



Sim, tenho os dois discos dela.



Gosto do timbre dela. Me lembra Kate Bush, gostava muito de ouvir e ainda gosto. Tô ouvindo muito Marcia Castro, Silvia Machete.



Já ia te falar dela agora.



É, adoro ela.



Acho incrível como ela canta com uma pomba na cabeça, com um bambolê.



Ela é de um escracho. Eu acho que ela é tão divertida e ela consegue levar isso pro palco de um jeito tão leve. É tão gostoso de ver no palco. É um exemplo. Que menina, Putz! Muito interessante...



Ela tem uma coisa muito assim, que te atrai e você fica fixo nela...



Essa pecinha aí se chama Carisma. E isso já nasceu com ela, não tem mais como sair. Fui pro show dela e foi muito bom.

O mais engraçado é que ela é toda caricata no palco, aquela coisa extravagante e quando ela sai parece ser super tímida.



É. Eu falei isso pra ela depois do show: “Nossa, no palco você é de um deboche” (risos). E ela não tem o menor problema. Sabe aquela pessoa que não tem medo do ridículo? É ela. Vou fazer um show aqui e vou chamar ela para fazer uma participação em uma música.


Você já ouviu falar numa cantora chamada Leny Eversong?



Não, essa eu não conheço e olha que eu conheço muita cantora.

Menino... Meu Deus do Céu, essa menina é fantástica. Eu já tinha ouvido falar dela, mas nunca tinha parado para escutar. Ela era uma cantora dessas antigas de rádio. Procure por ela no Youtube, lá tem muito material bom sobre ela. A voz dessa criatura é divina, nossa, essa todo mundo deveria escutar. Eu acho assim: falou que canta você tem que escutar a moça cantando.



Nossa, que bacana. Vou procurar saber quem é ela. Não sei se alguém já te disse que algumas músicas da Ângela Ro Ro parecem que foram talhadas para a sua voz. Você já cantou alguma coisa dela?



Ah, nossa, esses dias inclusive estava escutando Ângela Ro Ro. Adoro Ângela. A gente se aproxima muito por que temos um pouco dessa pegada de ser largada, essa coisa do blues que eu adoro.

 

Essa coisa intensa. Acho que a música “Escândalo” ia ficar um escândalo na sua voz (risos).



Nossa, adoro. Essa música sempre está na minha listinha de repertório.


Ângela Ro Ro, por exemplo, toda vez que tomamos uma cerveja aqui em casa e estamos afim de sofrer um pouquinho, colocamos o DVD dela para assistir. Adoramos Ro Ro.



É. É ótimo beber na companhia dela (risos). É uma coisa meio introspectiva que te deixa lá, pensando na vida.

 

Mudando de assunto: em relação a sua vida no teatro. Você já passou por muitas coisas, já fez bastantes espetáculos, mas um me chamou mais atenção que foi a questão da peça que teve a sua estreia em Novembro de 98, “Esperando Godot”. Pelo que eu li, parece que foi uma peça esnobada pelo público. O que aconteceu com esse espetáculo?



Quando a gente estreou “Esperando Godot” aqui no Rio de Janeiro, foi logo que a gente se mudou pro Rio. O Godot era assim: pensa numa peça que não vingou de jeito nenhum. Não dava público, não ia, não ia, não ia. Foi um fracasso assim, sabe? Foi bem ruim. E pra coroar a temporada que estava sendo uma porcaria, o espetáculo estava em cartaz no finado Teatro Glória, que era embaixo do Hotel Glória. E a gente foi avisado que o encanamento do hotel sofreu uma espécie de vazamento nos canos do esgoto. Simplesmente o vazamento estava todo localizado naquela parte do teatro. Então imagina, tudo, tudo, tudo estava literalmente na merda: figurinos, iluminação, sapatos, maquiagem, enfim, tudo estava na merda. Aí a gente entendeu que isso poderia ser um sinal para acabar a temporada e finalizar a peça.


Tava na hora de parar já, não é?



É, já deu já. Mas você acredita que depois de uns sete ou oito anos a gente montou, reestreou e aí foi um sucesso. A temporada foi linda, viajou o Brasil inteiro e foi bem legal. Eu acho que não foi o momento dele naquela época.



Você já fez muito teatro e mais um monte de coisa, mas não pareces ter chamego com novela. É isso?


Assim, não tenho por que nunca apareceu, mas se aparecer alguma coisa legal eu faço na hora. Adoro ainda mais por que eu sou noveleira.



Então estás aberta a um convite?



Isso, isso. Ainda mais por que eu não curto muito esse lance do humor pejorativo, tipo a gorda engraçada... (risos) Isso não tem muito a ver comigo não. (Nota do editor: Simone Mazzer participou em 2009 da série “Quase Anônimos” do canal pago Multishow – série-episódio “Toda Nudez Será Premiada”. No ano seguinte, no Canal Brasil, participou de “Campeões de Audiência” – série-episódio “A Novela Vermelha”, de Michel Melamed. Nesse ano de 2012, fez uma participação na série “Louco Por  Elas”, de João Falcão, na TV Globo).

 

É aquela coisa do estereótipo, por exemplo, como você citou: a coisa da gorda sempre fazer papéis engraçados, o negro de escravo e os gays extremamente afetados.



Exatamente, e aí não é pra mim. Estereótipos não gosto de jeito nenhum. Então, desde que não seja uma coisa assim, eu topo na hora fazer TV, faço amarradona.



Sobre o lance da ditadura da magreza, a gorda engraçada e tudo mais: como você lida com esse novo estilo de vida, vamos dizer assim...


Pra ser bem sincera com você, “eu tenho preguiça” e assim, isso não me incomoda de jeito nenhum e que tem gente que já se importa demais com isso. Eu tô preocupada com a minha saúde e enquanto eu estiver bem de saúde... Agora assim, não vou falar pra você que eu não faço dieta, eu faço, mas nada pensando em ser magra. Eu faço dieta pensando em perder um pouquinho de peso, melhorar o condicionamento físico, não machucar muito os meus joelhos, meus pés, essas coisas. Eu tô com 44 anos já e preciso pensar numa melhor qualidade de vida.



E ainda mais que você passa muito tempo em pé fazendo show.



É. E essa ditadura existe, tá aí. É só você ligar a televisão. Então eu mostro com o meu trabalho que isso, pra mim, não significa nada, não tem a menor importância.



É isso é legal: você ser respeitada e reconhecida pelo seu trabalho.



Eu sempre acreditei que gosto é uma coisa que cada um tem o seu. Você pode não gostar do meu trabalho, você tem todo o direito disso, mas respeito é bom e eu exijo. Poxa, eu não tô nesse mundo a passeio, não comecei ontem. Eu trabalho, eu estudo, eu pesquiso, eu me entrego, eu faço aula, eu cuido. Então o mínimo de coisa que a pessoa pode fazer é ter respeito pelo que ela tá indo ver. E eu não falo isso só para o meu trabalho: as pessoas devem ter esse tipo de atitude em relação a tudo. As pessoas precisam aprender a respeitar mais uns aos outros.



Simone Mazzer

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Simone Mazzer e Marcia Cartro
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