Renata Gebara
De um lado, uma babá. Não daquelas tradicionais. Do tipo “Black Power” que só ouvia “soul black music da década de 70”, com nomes como Hyldon, Tim Maia e Cassiano. Do outro, o tio, irmão de seu pai, que tocava trompete e só escutava o melhor do Jazz e que também foi dono da primeira gravadora independente do Brasil, “Forma” (em 1970), que lançou o grande violonista Baden Powell (06-08-1937-26-09-2000). O que essas figuras têm em comum? São duas das principais memórias musicais da cantora carioca Renata Gebara, que ainda complementa vasculhando sua memória afetiva: “na apresentação dos Saltimbancos no Canecão”.
Garota apaixonada por música desde cedo, foi quando adolescente que descobriu a vontade de aprender a tocar algum instrumento. Isso em plena década de 80 tendo predileção pela música pop. A partir disso começou a viver relação amorosa com o saxofone. O seu
professor lhe apresentou o Jazz. Logo após, começou a escutar de verdade Bossa, MPB, música brasileira no geral. Segundo ela, fez “o caminho inverso”.
Ciente da importância de uma formação qualificada, Renata formou-se em canto popular no “Musicians Institute – College of Contemporary Music” (Los Angeles). O começo como cantora foi peculiar e engraçado, o qual ela mesma explica: “Foram meus parceiros de banda, tocava sax e o cantor faltava muito. Eles praticamente me obrigaram a cantar e eu amei! A partir daí recebi apoio da família e amigos. Mais tarde conheci a Márcia Alvarez (acho que ela não deve lembrar-se disso) e ela deu força também”.
2003 é ano especial para Renata. “Todos os pedaços são seus”, seu debute fonográfico, chegou ao mercado por vias independentes. Produzido por Alexandre Castilho e Mario Marques com pós-produção de Victor Z, trata-se de disco com alma sofisticada, mesmo tendo nascido numa fase complicada: “2003 foi o ano que estourou a crise no mercado com o boom da pirataria. Foi um tempo difícil de trabalhar, mas mesmo assim consegui fazer bastante coisa, muito porque já era independente e segui meu caminho”, analisa.
Dois anos depois, em 2005, Renata surpreende com um show especial, a sua “Roda de jazz à brasileira”, obtendo grande retorno positivo do público. A ideia para esse show surgiu depois de um tempo em que já havia trabalhado o primeiro disco. Segundo ela mesma relembra, “queria montar um show mais fácil de viabilizar, mais barato mesmo, assim poderia fazer bastantes shows, daí surgiu a Roda de Jazz”. E vai mais a fundo na memória: “Só lembranças boas. Era um projeto despretensioso e chique ao mesmo tempo. Nos divertíamos muito, o conceito da Roda de Samba por si só já é uma maravilha, foram vários encontros com músicos maravilhosos e me deu a possibilidade de fazer muitos shows”.
“Nessa mesma época (do show “Roda de jazz à brasileira") comecei a trabalhar com produção cultural e aos poucos a demanda dos jobs como produtora foram tomando um espaço maior na minha vida, até que o Alexandre veio com a ideia de um novo CD e eu me animei. Depois de todo esse tempo o mercado já estava completamente diferente, era o momento ideal para o 2º álbum. Foi muito motivante criar e fazer musica nesse novo cenário”, as palavras da própria Renata Gebara nos ajudam a entender uma parte do processo de feitura de “Caixa de música” (2011, Lab 344), seu segundo e mais recente disco, produzido e dirigido por ela mesma em parceria com Alexandre Castilho. Muito mais do que um álbum que representa uma continuidade em sua discografia, “Caixa de música” tem mais a cara da artista Renata Gebara, representa mais maturidade como cantora, cantora essa que conceitua o filho mais novo: “é uma miscelânea de referências, a caixa de música traz um conceito muito bacana que a gente vive hoje em dia, rodeado de várias caixas de música, um
Ipod é uma caixa de música”. Renata também afirma que quando começou a montar o repertório, queria lembranças gostosas. Nós, ouvintes, sentimos isso na audição.
Com a derrocada das grandes gravadoras, as relações do cantor (a) com o público mudaram, junto a isso, esse mesmo público utiliza a internet para ouvir seus artistas preferidos, ou seja, o processo de recepção da música transfigurou-se. Renata sabe disso e dá seu parecer: “As redes sociais, os blogs especializados suprem com louvor a falta de publicações, até porque a cada dia que passa convivemos mais e mais com conteúdos digitais. Como artista tento estudar a melhor forma de divulgar meu trabalho nesses canais, já que no mercado de publicações impressas é mais difícil de conseguir destaque”.
Dois discos, sucesso do show “Roda de jazz à brasileira”, dentre outros shows (Renata está se apresentando em Lisboa, Portugal), críticas positivas, mais ouvintes, parcerias solidificados, canções gravadas com toques personalíssimos. O que ainda falta fazer Renata? “Sou absolutamente apaixonada pela GAL!! Ela foi personagem importante na minha formação quando estudei música. Amo o seu timbre e temos uma tessitura parecida. Amaria cantar com ela”, afirma ela e eu assino embaixo, e você?
Na entrevista a seguir, Renata relembra o lançamento do seu primeiro disco em 2003, explica o que a levou a regravar “Anjo”, sucesso do Roupa Nova, fala do predomínio da intérprete sobre a compositora bissexta, rememora o nascimento de “Caixa de música”, aponta que é fã de cantoras como Marcia Castro, Silvia Machete e Cláudia Dorei, enfim, repassa sua trajetória a limpo até os dias de hoje. E mais virá por aí. Acesse:
Seu primeiro disco, “Todos os pedaços são seus” (independente, 2003), foi produzido por Alexandre Castilho e Mario Marques. O que te levou a escolhê-los para essa função? Como você avalia o papel deles na feitura desse disco?
O Xande (Alexandre Castilho) é meu primo e parceiro musical desde o início da minha carreira. Sempre nos identificamos muito musicalmente e a nossa trajetória se cruza todo tempo! Ele foi fundamental para criar a sonoridade do projeto, a relação de confiança, seu talento e dedicação me fazem sentir em casa. O Mario é amigo de longa data, na época trabalhava no 2º caderno do Globo e já investia no Mada, festival de musica que participei em Natal. O convite veio com a minha intenção de buscar uma direção artística para o projeto e deu super certo. Foi com ele que trabalhei a escolha de repertório.
“Todos os pedaços são seus” é composto basicamente de regravações. Sua voz passa por Lenine e Dudu Falcão (Todos os caminhos), Ney Lisboa (Rima rica frase feita), Marcelo Camelo (Veja bem meu bem), João Nabuco (Cada manhã), Samuel Rosa e Chico Amaral (Erasmo Carlos de Roterdã), dentre outros nomes não menos ilustres. Nesse disco, quais foram os seus critérios para selecionar o repertório? Quais fatores pesaram mais?
Uma curiosidade, Todos os caminhos, Veja bem meu bem e Erasmo eram inéditas na época e eu fui a primeira a gravar, depois elas fizeram sucesso nas vozes de outros intérpretes. A escolha de repertório, como disse, foi capitaneada pelo Mario, eu sugeria músicas e ele me apresentava tantas outras.
Buscávamos musicas inéditas de compositores que eu admiro e me identifico, como Lenine, Camelo e João Nabuco que sou fã. Anjo foi idéia minha e Rima Rica do Mario, eu não conhecia o trabalho do Ney Lisboa e foi um grande presente, virei fã. É um repertório forte e era isso que buscávamos, canções lindas com uma sonoridade sofisticada.
A última canção de “Todos os pedaços são seus”, “Anjo” (Dalto, Claudio Rabello e Renato Corrêa) dá um susto em quem “passa o olho” na tracklist, afinal, é um dos grandes sucessos do grupo Roupa Nova. Muitos acham essa canção brega, torcem o pé e por aí vai. Por que regravá-la? Qual a sua relação com ela?
Sou apaixonada por Anjo, a musica é linda, me traz lembranças de um tempo bom, a harmonia e a melodia são marcantes e o resultado da releitura que produzimos prova que de brega ela não tem nada ou, se é, brega é o máximo ;)
Das 11 faixas do seu debute, apenas uma foi composta por você: “Quero mais” (em parceria com Mauricio de Oliveira). Fiquei curioso: por qual motivo você registrou apenas uma canção de lavra própria? Interessa-te gravar um disco apenas com composições próprias ou balanceá-las com regravações?
É curioso mesmo, eu não me considero compositora, mas tenho muito carinho por “Quero Mais”, que relata exatamente o que estava vivendo naquela época. Sou muito exigente para fazer um álbum só com composições minhas, me considero boa melodista, penso sim em um próximo projeto um repertório mais equilibrado. Vamos ver o que acontece, me falta essa experiência ;)
“Caixa de música” (2011, Lab 344), seu segundo disco, saiu pelo selo “Lab 344”. Como foi isso?
Olha, não gravava há muito tempo, fiquei quatro anos cantando com a Roda de Jazz a Brasileira, trio de jazz, samba e bossa que era uma delícia de participar.
Estava tranqüila até que o Alexandre Castilho me incentivou a gravar um novo álbum. A partir daí tive várias ideias de como queria o projeto e quando percebi já estava no estúdio gravando.
Alexandre Castilho e você fizeram a direção geral e produção musical de “Caixa de música”. Além de cantar, agora você exerceu essas duas funções extras: é para ter mais autonomia no trabalho? Podemos dizer então que esse disco tem mais a sua cara?
Definitivamente tem mais a minha cara, assumi com o Alexandre a produção porque trocamos criativamente ao longo de todo o projeto. Ele consegue traduzir com precisão as minhas ideias e caminhos de sonoridade. Para fortalecer ainda mais a dupla contamos com o Donatinho que era brifado por nós e apresentava os arranjos. O final touch foi sempre o Alexandre, ele é fera!!!
Dez canções formam o seu segundo disco, oito nacionais e as regravações de “Stormy Weather” (Harold Arlen e Ted Koehler) e “Walking on a dream” (Nick Littlemore, Jonathan Sloan e Luke Steele). Como foi o processo de feitura desse disco?
Foi uma delícia porque não me prendi a um formato específico, queria canções que tivessem uma relação forte com a minha trajetória. Musicas que marcaram a minha memória independente da época. Gravamos no total 13 musicas, 11 eram para o CD, mas infelizmente não tivemos a liberação de uma das musicas. As outras gravadas você pode encontrar no Caixa de Musica Extended no Itunes. Essa liberdade de formato foi libertadora e resultou na minha “Caixa de Musica”.
O trompete de Jessé Sadoc em “Fossamba 70” (Fernando de Oliveira e Rosa Passos) e o de Arimatéia em “Os outros” (Leoni) desperta a minha imaginação e sentidos. Trata-se de instrumento sensual, convidativo, que impõe uma atmosfera sexy e romântica ao mesmo tempo, como essas suas duas regravações atestam. Qual é a sua playlist para esse tipo de situação? Música colabora para um clima assim?
Lógico e eu particularmente adoro arranjos com climas, atmosfera é tudo! Eu sou uma viciada em playlist, como pesquiso muito nem tudo que eu tenho na minha library eu curto portanto acabo criando inúmeras playlists que considero minhas “caixas de musica”.
Em entrevista a revista Playboy em agosto de 2011, Sandy afirmou que não gosta de música sertaneja e que o pai Xororó nunca impôs os gostos dele para ela e para o irmão. Isso me fez pensar na proliferação de duplas sertanejas que dominam o Brasil, sendo assim, você acha que esse monopólio sobre a massa atrapalha a difusão de trabalhos como o seu, por exemplo?
Do ponto de vista comercial sim, ainda vivemos um mercado em transformação e quando se trata de radio e TV o buraco é mais embaixo. A verba de marketing definitivamente faz a diferença, as coisas acontecem mais rápido mesmo que a médio longo prazo não vinguem. Por outro lado temos a internet e inúmeras formas de usar essa ferramenta que é democrática. Com ela o artista independente ganhou um aliado, chega a ouvintes nunca antes imaginados, sem falar no comportamento dos jovens que agora tem a oportunidade de conhecer o que quer e não o que o mercado projeta.
Em outra entrevista na Playboy, em novembro de 2012, Ivete Sangalo afirmou que é muito amiga de Vanessa da Matta, inclusive sendo amigas de falar ao telefone e sentir saudades. Ela respondeu isso, pois estavam perguntando-a sobre a suposta rixa com Cláudia Leitte. Então não existe a tal rivalidade entre cantoras brasileiras? Isso é apenas um mito? Você tem alguma grande amiga que é cantora brasileira?
O povo tem que ter assunto né!? Eu sou bastante tímida apesar de não parecer, não tenho nenhuma melhor amiga cantora, mas admiro e acompanho o trabalho de várias parceiras e amigas do nosso ofício. Sou fã de carteirinha da Silvia Machete, da Claudinha Dorei e da Márcia Castro...“
Cantora sem fã gay a carreira não decola”, procede?
Eles ajudam muito! Rsrs. Acho que público se constrói com criatividade, promoção e shows! Não tem milagre, tem que trabalhar muito!
Você ainda está divulgando o “Caixa de música”? Preparando ou pensando no terceiro disco? O que você pretende fazer daqui pra frente?
Embarco amanhã (30 de maio) para um show em Lisboa no Ano Brasil em Portugal, no segundo semestre vou começar a estudar novas parcerias musicas e continuar com meus shows...