estou/Pra poder usar as roupas prateadas/E o cabelo comprido". Então tá tudo entendido. Já sabemos o motivo de você estar cantando e nós, a ouvindo.
Na faixa seguinte, “Casa no campo”, Marya se arrisca numa música já imortalizada por Elis Regina. E se dá bem. Óbvio que ela não viveu aquela letra, mas o seu canto exprime toda a sensação do querer, de ter, não coisas materiais, mas uma vida preenchida pelos anseios que a letra descreve.
Na terceira faixa, “Ama teu vizinho”, Marya Bravo canta que, por mais que o nosso vizinho faça barulho e viva em horários diferentes dos nossos, devemos amá-lo mesmo assim. Pelo menos uma vez na vida, qualquer pessoa já teve problemas com um vizinho que reclama de uma colher que cai no chão, de festinhas na casa, de som alto, de tudo. Quem ouve se identifica na hora.
“Casca de caracol” descreve uma situação típica do contexto que Zé Rodrix viveu na época. Nessa letra, ele diz que “Eu via o mundo todo mudando/Os cabelos cobrindo a maior parte das caras/E eu com a cabeça raspada/Nesse tempo meu pai não me dava colher de chá". Mesmo tendo sido escrita há muitos anos, a mensagem continua muito atual. O canto de Marya Bravo respalda ainda mais a letra, dando a impressão de que foi feita para ela cantar.
Mesmo tendo sido inclusa na trilha-sonora da novela Fina Estampa, da Rede Globo, “Hoje ainda é dia de rock”, passou quase despercebida. Como o próprio título diz, essa faixa sintetiza o espírito roqueiro do disco. Afinal, “hoje é dia de rock bebê”, como diria a atriz Christiane Torloni.
“A primeira canção da estrada” praticamente estupra uma lembrança minha. O penúltimo verso diz: “Eu tinha apenas 17 anos/No dia em que saí de casa/E não fazem mais de quatro semanas/Que eu estou na estrada/Mas encontrei tantas pessoas tristes/Desaprendendo como conversar. Quem já saiu de casa, sabe muito bem o que é essa sensação. Assim como eu. A diferença é que altero os 17 anos para 18.
“Eu vou comprar esse disco” é a faixa sete. Quantas vezes já me peguei pensando nessa frase. Qual o motivo de dizê-la? Em minha visão romanceada, seria pela cantora dizer tudo que eu penso, sinto e tudo que não sabia que podia pensar ou sentir. Essa letra descreve exatamente uma parte da relação quase que sexual do ouvinte e da cantora. As duas últimas frases (Até que a saudade de quem não me ama, saia de cima de mim) fazem com que quem está escutando relembre como num filme todas as vezes que foram abandonadas. É correr pra cerveja e abraçar a pessoa amada. E cantar junto.
“Hey man”, faz uma crítica sobre até que ponto o ser-humano é capaz de chegar para conseguir o que quer. Em tempos onde o “auto-sequestro” está na moda com a personagem da Adriana Esteves na novela Avenida Brasil, faz refletir sobre ambição.
“Eu preciso de você pra me ligar” descreve da forma que os apaixonados mais gostam (de maneira muito exagerada) tudo que a pessoa pode fazer pelo ser amado. Como a própria Marya canta, isso inclui botar fogo em tudo, parecer um louco e querer só uma pessoa pra ajudar no rebanho. Todo mundo quer alguém que faça isso pela outra pessoa. Lindo, não é?
“Soy latino americano” é a música tema de todo mundo que não acorda muito cedo, mas não fica preocupado, que é latino americano e nunca se engana. Se Zé Rodrix tá dizendo, Marya Bravo tá cantando, quem vai discordar? Façamos como na letra e vamos correndo pro bar. Atenção para o seguinte verso: “Quem tem pressa de ir embora, no transporte vai morrendo”. Então, vamos tentar relaxar nos engarrafamentos da vida.
A penúltima faixa, “Quando você ficar velho”, é um dos melhores momentos do disco. Uma metáfora sobre a vida e o processo de envelhecimento, descrevendo também relações fadadas ao abandono. Por isso que truques como pintar o cabelo, podem atém disfarçar a idade, mas não escondem quem você é de verdade. No final, já com o coração do ouvinte sangrando, Marya Bravo termina de nos matar: “Você vai observar de longe/A passagem da areia do tempo/ E eles todos vão ficando velhos/Sem você”. Batimento cardíaco? Zero.
O disco finaliza com “Mestre Jonas”, uma crítica social que infelizmente, continua muito atual. Zé Rodrix descreve um homem chamado Jonas que se diz santo e que mora dentro de uma baleira, onde se sente mais seguro e que quando o tempo é mal, a tempestade fica do lado de fora. Ele também afirma que assinou um papel que vai mantê-lo dentro da baleia até o fim da vida. O que nos leva a inferir que o mundo anda tão perigoso, que é muito mais seguro viver dentro de um animal. Então, quando a violência tomar conta do mundo, viveremos todos dentro de baleias?