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O público parece achar que Marisa Orth é só atriz. Esse mesmo público (para o bem ou para o mal) também parecer achar que o único trabalho dela foi a Magda do seriado Sai de Baixo. Ela é cantora também. Prova disso é o disco Romance Volume II. Para os desatentos, Marisa já fez parte de banda de rock na década de 80. Então, se nossa memória afetiva guarda boas lembranças, vamos usar esse artificio culturalmente?

Era uma vez uma época (já) bem distante, onde Roberto e Erasmo Carlos compuseram “Minha fama de mau”. Uma música que narra às peripécias nas quais um homem se envolve ao se relacionar com uma mulher. De forma carnal, vale ressaltar. Só que esse homem não pode, por pressão da sociedade ou de si mesmo, ceder aos caprichos dessa mulher. Ele precisa manter a tal “fama de mau”. Que essa fama atrai os mais diversos tipos de mulheres, isso é fato. Fato novo é que Marisa Orth se apropria dessa canção para iniciar seu primeiro  disco solo.

“The best” (Luni) é a faixa dois. As pitadas de humor negro, quase gay, e presentes em boa parte do disco prevalecem nessa música. Marisa já começa avisando: “Eu sou a melhor. Eu sou e eu sei que sou. No que não vem ao caso. É uma coisa anterior”. Poderia parecer pretensão, mas a interpretação leve, adicionada a veia cômica de atriz, servem para o ouvinte rir. Quem não o faria com uma letra que descreve uma moça chamada Bárbara que sempre foi super legal desde pequenininha, genial, muito inteligente, mais quente e que diz ter o melhor beijo.

Parece que cada vez que vasculham o baú de Rita Lee, sempre saem coisas legais. “Fruto proibido” é dela. A letra é um convite para fazer travessuras: “Comer um fruto que é proibido, você não acha irresistível?” Fica a impressão que Marisa está convidando o ouvinte para praticar malícias.

A faixa seguinte, “Você não é capaz (why don’t you do right?)” (Kansas Joe Mc Coy - versão Natália Barros) ilustra o típico relacionamento que acaba “como num poço até aqui de mágoas”. A mulher cansou do marido. Resolveu se valorizar. Não é possível amar alguém sem se amar primeiro. A mulher descrita nessa letra afirma que o homem tinha dinheiro há muito tempo atrás, que ele botava pra quebrar, mas voltou sem um tostão. Só que essa mesma mulher, vacinada contra espécies masculinas que carregam a bandeira da sacanagem, já não o quer mais. Ainda pede que ele a pague o quanto deve. Pra fechar o ciclo, faz certas observações: ele parecia bacana, mas só ofereceu meia dose de gin. E ressalta que ele não é capaz de fazer o que um homem faz. Como resistir a uma heroína do tipo?

“Insanidade temporária” (André Abujamra e Flávio de Souza) é como se fosse o número de encerramento de um espetáculo de comédia. Narra uma situação que poderia estar num filme de Almodóvar ou que pode acontecer na casa da sua vizinha. Uma mulher, de frente com um delegado, tenta convencê-lo de que não é uma monstra sanguinária e sanguessuga. Ela afirma que é a vítima que chora, sofre e sente a culpa de um crime que não cometeu. Como as mulheres conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, a mulher que Marisa canta ainda arruma tempo de dar uma aula particular de história: diz para o delegado que só quem teve a sorte ou o azar de vir ao mundo descendente de mãe Eva pode entender ou acreditar que quem matou o marido dela não foi ela. Como muitas mulheres tem uma veia cômica, ela ainda diz que tudo que aconteceu foi culpa de uma insanidade temporária causada pela TPM. Se eu visse essa mulher, diria para ela que esse é um dos melhores momentos do disco e uma das melhores composições que já vi.

“Obsessão” (Mirabeau e Milton de Oliveira) é o momento “sou cantora de rock (também) nesse disco”. Extremamente confessional, dá vontade de cantar junto lembrando-se do homem que não soube te valorizar.

“Lama” (Aylce Chaves e Paulo Marques  - citação Caruso) é um recado autêntico, objetivo e direto para essa eterna ditadura do politicamente correto. Esse mesmo mundo onde um médico entra na sua casa todo domingo à noite e fica dizendo que não se deve comer fritura, que o cigarro é o demônio do século XXI e que devemos cultivar hábitos saudáveis, amar o próximo e blá blá blá. Pra quem ainda não se situou, essa é aquela música que começa com a frase clássica “se quiser fumar eu fumo, se quiser beber eu bebo, não interessa a ninguém...”. Vale lembrar que essa música já foi gravada de maneira antológica por Maria Bethania. Os versos também mostram uma pessoa à beira de um precipício: “Não compreendeste o sacrifício, sorriste do meu suplício, me trocando por alguém”. É uma bonita canção "triste dolorida".

“Demais” (Antônio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira), além de ter uma letra linda, também é um desafio. Não é tarefa fácil cantar algo do mundo tristemente melancólico, sofrido e belo da Maysa. Mesmo que a voz da Marisa Orth não seja um primor, dizem que o que vale é a intenção, não é?

“Sofre” (Tim Maia) é a faixa nove e uma das melhores do disco (lado B da disocgrafia dele, digamos assim). Começa com as reflexões de um homem sobre relacionamentos, amor, dúvidas, anseios, angústias e tudo mais que nasce do fim de um relacionamento. Uma parte da letra diz que “você foi mulher, mas, se isso é ser mulher, está enganada, pois não é não, isto foi pura podridão”. Durante toda a música, o personagem remói as dores e mágoas, dando recados passionais, como quando diz que não vai mais chorar. Essa é uma das músicas em que temos obrigação de lembrar quem nos fez mal. E também para atestarmos que estamos (muito) melhor hoje em dia. É o tipo de canção que nos faz acender um cigarro e pensar na vida.

“I’m not in love” (Gouldman e Stewart) é o relato de uma mulher que facilmente pode ser encontrada nos livros da Martha Medeiros. Descreve uma fêmea que diz que não está apaixonada, que isso é só uma fase cretina pela qual está passando (como muitas mulheres por aí). Só que mesmo assim, essa mulher ligou para o cara, mas não está apaixonada. É uma faixa onde toda mulher se sente representada em alguma fase da própria vida.

“Amor” (João Ricado e João Apolinário) é a penúltima faixa e já foi gravada pelo grupo Secos e Molhados. É leve, contagiante e boa para fazer aquela faxina na casa, sorrindo pelos cantos. Mesmo que na pia esteja uma montanha de louças sujas a sua espera.

“As dores do mundo” foi composta pelo Hyldon e fecha esse Romance Volume II. Depois de músicas que descrevem um homem que precisa manter a fama de mau; de uma mulher que se julga a melhor; do convite para comer um fruto proibido; de uma mulher despachando seu ex; de outra mulher que matou o marido por causa da TPM; de uma roqueira enfurecida; de um personagem que se quiser beber, bebe e se quiser fumar, fuma; de uma mulher apaixonada demais; de um homem que cansou de sofrer; de uma mulher que não admite que esteja apaixonada; de uma pessoa simples, Marisa Orth fecha seu disco com o frescor de uma paixão juvenil, exagerando nos sentimentos, como toda pessoa que vive um grande amor,  afinal, a letra diz: “A sua voz dizendo amor, foi tão bonito que o tempo até parou, de duas vidas uma se fez, e eu senti nascendo outra vez”.

Minha impressão desse disco reforça um argumento bem antigo meu. Nenhum artista tem obrigação de só cantar poesias lindas, intelectualizadas, politizadas, sérias demais. Cabeça demais, cult ao extremo. Assim como o ouvinte não tem obrigação de querer escutar só isso. Música também é diversão. Marisa Orth faz isso: diverte-nos contando histórias num clima que lembra um cabaré. Não é um disco que vai mudar o mundo, é um disco onde o ouvinte (como deveria fazer com todos os discos que escuta) decide se é bom ou não, fazendo dele o que bem entender.

Marisa Orth - Romance Vol.II

Escute o CD aqui:

1º Minha fama de mau



2º The best



3º Fruto proibido



4º Você não é capaz



5º Insanidade temporária



6º Obsessão



7º Lama



8º Demais



9º Sofre



10º I'm not in love



11º Amor



12º As dores do mundo



 



 

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