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Ana Rita - Coisa de mulher

Descendente de mãe Eva, inspirada por mulheres pioneiras nos aspectos os mais adversos, Ana Rita estreia no mercado fonográfico por vias independentes com o disco “Coisa de mulher”. Concebido e produzido por ela mesma, com arranjos de Fábio Coelho e produção musical de Clauber Fabre, estamos falando de um disco feminino, delicado, fruto de um olhar atento de uma intérprete antenada. Ou, como ela mesma afirma no encarte: “a mulher que conhecemos hoje, que lança a sua voz, canta o que pensa e sente foi se desenhando com o tempo, algumas delas são mostradas neste trabalho”.
A proposta musical, o conceito, é um “tapa” na predominância de compositores masculinos dentro da nossa música popular brasileira universal: todas as 11 canções foram compostas por mulheres, sozinhas ou com parceiros. Acompanhada por músicos que souberam traduzir sua essência, Ana ratifica que nós, ouvintes, não precisamos de revoluções sonoras ou de cantoras que inventam a roda. Precisamos mesmo é da velha e conhecida entrega e paixão do canto feminino.
“Outras mulheres” (Joyce e Paulo César pinheiro) – gravada no disco “Revendo amigos” (1994, EMI-Odeon) da autora - inicia os trabalhos desse álbum. O acordeon de Guilherme Lopes já se impõe, “pega” o ouvinte de jeito. A voz límpida, suave, faz um jogo interessante com a letra descarada: “que os homens todos me abracem, só quero aqueles que passem, não quero aqueles que fiquem, gosto, meu bem, de andar nua”. O arranjo é simples, eficiente e gostoso.
Com alguns versos de “Estrada do sol”, Dolores Duran (07/06/1930-24/10/1959) conquistou a confiança e admiração de Tom Jobim (parceiro dela na composição dessa música), o que gerou uma bela parceria. O sax alto (Mônica Ávila), discreto no início, chama atenção. Aliás: o piano (Tibor Fittel) e o sax formam um ambiente sofisticado, propício ao flerte, tendo como testemunha a voz dessa intérprete. Pra completar, ainda rola um ar jazzístico.
“Amigo amado” (Alaíde Costa e Vinícius de Moraes) – canção lançada por Alaíde em 1973 no disco “Alaíde Costa e Oscar Castro Neves” (Odeon) – ganhou piano Road e pad (Tibor Fittel). Resultado? Ouvinte viaja pra longe, bem longe. É uma canção para namorar, amar. Aqui, Ana explora mais as capacidades interpretativas de sua voz.
“Coração ateu” foi composta e gravada por Sueli Costa no seu primeiro disco homônimo em 1975 (EMI). No mesmo ano, Maria Bethânia a regravou num compacto (Philips). Em 2012, essa música fez sucesso ao ser incluída na trilha-sonora do remake global de “Gabriela”. Na versão de Ana, o piano de Tibor Fittel ganha destaque. A percussão (Carlos Cesar) entra e dá nova cara a essa canção. O arranjo delicado, versátil, é um dos melhores e mais interessantes desse disco.
“Flor de ir embora” (Fátima Guedes) – gravada pela compositora em 1993 no disco “Pra bom entendedor” (Velas) – é embelezada pelo acordeon de Tibor Fittel. Trata-se de uma regravação doce, mas sem ser piegas. Os vocais etéreos no final são delicados, bonitos na medida, como se ela estivesse embalando nossos sonhos...
Maysa (06/06/1936-22/01/1977) compôs e gravou “Ouça” em maio de 1957 num 78 RPM pela RGE. Nessa regravação, o violão e bandolim de Clauber Frabe ganha aplausos. Ana poderia tentar emular Maysa, mas canta do seu jeito, próprio e particular. E é isso que importa.
“Eu te amo mesmo assim” (Martinha) foi o primeiro sucesso dessa cantora mineira egressa da Jovem Guarda, lançado em um compacto em 1967 (Artistas reunidos/Rozenblitz). Nessa versão, o ouvinte é seduzido pelo sax alto de Tino Júnior. O órgão de Tibor Fittel é um charme a parte também. O arranjo leva quem o escuta a pensar que tudo vai explodir, mas isso não acontece, logo, a atmosfera tranquila é mantida. Lembra Blues? Também.
“Outra vez” (Isolda) fez grande sucesso quando Roberto Carlos a gravou no disco “Amigo” (1977). Fora isso, já foi regravada mais de 150 vezes e também foi inclusa na trilha do longa “Meu nome não é Johnny”. Alguns meses após a morte de seu irmão em um acidente de carro em outubro de 1976, Isolda compôs essa canção em um bar com alguns amigos, uma justa homenagem. Essa é a melhor canção desse disco: a voz cresce, toma conta do ouvinte, que é encharcado de saudade, do que viveu e do que ainda viverá. Arrepia a força da interpretação dela. Soma-se a isso o violão de 12 de Clauber Fabre.
“Eu só quero um xodó” (Anastácia e Dominguinhos) – gravada por seu autor num LP de 1974 intitulado “O forró de Dominguinhos” – tem brilho especial por causa do acordeon de Guilherme Lopes e o bandolim de Clauber Fabre (de novo ele por aqui). O arranjo redondo é um convite para bailar.
“Lua branca” (Chiquinha Gonzaga, 17/10/1847-28/02/1935) foi registrada em disco pela primeira vez em 1998 no álbum “Ó abre alas”, feito para a trilha da peça encabeçada por Rosamaria Murtinho. Ana começa cantando-a acappella: bem forte e segura. A percussão de Carlos Cesar vai ganhando espaço aos poucos, se impondo. O arranjo “gruda” na cabeça, é uma regravação bem sacada. A voz dela se derrama na letra, deslizando sobre ela.
“Acreditar” (Dona Ivone Lara e Décio Carvalho) – registrada por ela no disco “Sorriso de criança” (1979) – tem cara de luau. O arranjo minimalista: Rodrigo Serra (percussão) e Clauber Fabre (violão e bandolim) dá conta do recado. Plural, valorizando a linhagem histórica de mulheres da nossa música, Ana fecha seu primeiro disco. Deixa boas impressões. Até a próxima.
Escute o CD aqui:
1º Outras Mulheres
2º Estrada do sol
3º Amigo amado
4º Coração ateu
5º Flor de ir embora
6º Ouça
7º Eu te amo mesmo assim
8º Outra vez
9º Eu só quero um xodó
10º Lua branca
11º Acreditar

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