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FAIXA A FAINA

ARTISTA: JANAINA FELINI

DISCO: JANAINA FELINI

 

Dentre outros significados, segundo o dicionário, “Pasteurização” é a adaptação de obra musical, literária, etc., a moldes mais comerciais, de modo a facilitar a sua disseminação pelos meios de comunicação de massa. Janaina Fellini, moça, quer dizer, artista atrevida no melhor sentido, bate na cara desse conceito tão executado em prol do lucro fácil em detrimento da qualidade/verdade artística. Ora, fazer arte nestes tempos é ousadia, sonora e de vida, sendo, assim, bem-vinda Janaina, nos use a seu bel-prazer.

 

Natural de Vitorino, pequeno município localizado no sudoeste Paranaense, Janaina debutou com disco homônimo gravado no estúdio “Gramofone+Musical”, lançado em 2012 pela Musicoteca (baixe o disco aqui: 

http://www.amusicoteca.com.br/?p=7077), produzido por Dú Gomide e coproduzido por Álvaro Ramos, Glauco Solter e Alonso Figueroa. Composto por 12 faixas oriundas de hibridismo pessoal, o ouvinte passeia por composições de Dú Gomide (Oyá), Carlinhos Brown (Argila), Felixbravo (Estrela de brilhar), Junio Barreto (Se vê que vai cair deita de vez), Fernando Lobo (Tesouro do Céu), uma única canção de lavra própria em parceria com Estrela Leminski (Na roda da saia vermelha), dentre outros nomes que merecem atenção.


Consciente da força e poder da coletividade no fazer artístico, Janaina recebe como músicos convidados Bernardo Bravo, Seu Zeba, Sergio Monteiro Freire, Fernando Lobo e Sergio Coelho. A eles, soma-se a preparação vocal de Suely Mesquita e Ana Cascardo, junto com o esmerado projeto gráfico da empresa Lumen Design. Tanto trabalho já começa a render reconhecimento: inclusão na lista dos melhores do ano do prêmio Defenestrando e participação no palco do projeto Levada Oi Futuro, mídia apontando-a como promessa, músicas tocando em rádios no exterior. E isso é só o começo. Os ventos sonoros conduzem a viagem dessa moça.


Outro fator que “sacode” os ouvidos na audição desse disco é o cuidado com a concepção dos arranjos, responsabilidade de uma turma da pesada: Dú Gomide, Glauco Solter, Gabriel Altério, Alonso Figueroa, Fernando Lobo e Sergio Coelho. Como se percebe, alguns nomes citados nessa matéria “batem cartão” por aqui mais de uma vez, o que nos leva a concluir a cooperatividade predominante na feitura desse álbum. Remando contra o pastiche, Janaina se mostra grata surpresa.


Agora me despeço de vocês. Janaina Fellini toma meu lugar nesse momento, conduzindo você a uma viagem pela essência do seu disco de estreia. Nesse aspecto, ela revela os desafios de cantar “Logradouro” (Kléber Albuquerque e Rafael Altério), canção já regravada muitas vezes, explica sua relação atemporal com “Oyá” (Dú Gomide), registra seu apreço pelo músico Glauco Solter, detalha seu conceito de musicalidade, surpreende ao esmiuçar sua admiração pela obra de Junio Barreto, conta coisas que não poderia contar, por fim, mergulha de cabeça no seu mundo musical e nos convida a fazê-lo também. Confira:

Este CD, álbum, disco, pen drive, não teve nenhum arranjo escrito. As guitarras, teclados e efeitos foram gravados nas casas dos próprios músicos. Não há Janaina sem Dú, Glauco, Alonso, Denis e Serginho... Sou grata de todo a cada uma das 94 pessoas que viabilizaram comigo este projeto. Aos músicos especialmente. Aos compositores, ao estúdio, à produção gráfica, aos produtores, aos amigos, à família e a cada mão que trouxe seu magnetismo para ver este trabalho nascer ainda neste mundo.

Eu moro em Curitiba. Aqui não tem mar e o clima é diariamente imprevisível. Tem chuva roxa e céu branco - mas branco mesmo! - muitas vezes ao ano. Neste dia, em que escrevo esse texto, acordei com um céu cinza, que ficou muito azul e agora está cheio de nuvens, de onde a água vai cair. As pessoas – as que eu conheço - andam de bicicleta, falam piá, terminam as palavras com “e” mesmo, e se reúnem em volta de fogueiras, com vinho, no inverno. Uma vez eu fui ao Rio de Janeiro e o taxista disse que só sabia duas coisas sobre o Paraná: “- lá tem pinhão e pistoleiro”. De fato, no interior do Estado, durante muito tempo, foi comum os agricultores, imigrantes europeus, defenderem suas terras com unhas, dentes e pistolas. Mas ultimamente o Estado, que continua abastecendo o mundo com soja e feijão, tem produzido também safras de artistas que assinam “Paraná”, ou “Curitiba, Paraná”, se armam com pistolas de verso e melodia, pinhão com sal e azeite de oliva, e se lançam nas atmosferas sonoras em busca de diálogo, de espaço e de boas trocas pelas quais o escambo artístico permita a sua própria multiplicação.


Eu faço música livre. Pratico o que é universal. Sou fiel a minha vontade e aos desejos dos músicos que me acompanham no palco, na técnica e na vida. Por isso meu disco, pop, elegante, contemporâneo, independente, fresquinho e cheio de ares de “nova geração” tem sim, Carlinhos Brown, Itamar Assumpção, Rafael Altério, Alice Ruiz. Todo mundo juntinho com Felixbravo, Junio Barreto (gênio contemporâneo com alma de milhares de anos-arte), Estrela Leminski, Kiko Dinucci, Douglas Germano, Kléber Albuquerque, Téo Ruiz, Fernando Lobo, Dú Gomide... Nomes com os quais eu me permiti estar. Permiti-me ser, em algum lugar, um pouco de cada um, inteiros e ao meio. Permiti servir-me do que foi trazido pela alma mais profunda de cada um deles.


As músicas que eu gravei vieram até mim. Inclusive a de minha autoria. Algumas vieram em cores, outras despertaram cheiros, lembranças de coisas que eu nem vivi, penetrando em minha pele sem o menor pudor, sem o menor respeito. Gosto de pensar que música é assim, meio desrespeitosa, mesmo. Entra sem pedir licença e invade tudo quanto possa existir dentro da gente. Para o segundo disco, tenho uma frase pronta que diz “vem comigo, vem morar no meu umbigo. O mundo lá fora não existe, aqui dentro é que eu sou”. Mas essa frase só vai se tornar uma faixa se me faltar com o respeito e me soprar com o brilho mais intenso no abrigo mais tenro da minha própria existência.



 

LOGRADOURO (Kleber Albuquerque e Rafael Altério)
Música que o Bernardo Bravo e o João Felix me apresentaram. Trouxeram de um lugar encantador chamado Gargolândia. De pessoas que eu já admirava há tempos, o Kléber em especial, e depois o Rafael (Garga) que além de ser uma figura meio mágica, é o pai do baterista que gravou a maior parte das faixas do álbum. Eu nem imaginava que um dia desembarcaria na fazenda-estúdio. Lembro-me de ter descido do carro com uma sensação de euforia que se tornou uma vontade de gritar, de correr, de pular, de viver - e muito! A Gargolândia é um lugar especial, um inacreditável reduto anônimo da música brasileira, para onde convergem muitos artistas e onde nascem muitas canções. Ouvimos a master do disco junto com o Garga, que pirou na música do Junio: “- Isso aqui é bom, bicho, isso aqui é bom”.


“Logradouro” já foi gravada muitas vezes e, quando isso acontece, o desafio é desenvolver uma sonoridade original para uma música que já nasceu e já está no mundo. Eu ouvi todas as versões (acho) e vejo que esse arranjo que o Dú propôs, mais as linhas que os outros músicos colocaram, e a finalização na master, trouxe uma nova possibilidade de identidade para a canção. A nossa cara, por isso ela abre o disco. Gosto muito da frase que diz “vou rir até desaprumar as parabólicas” e de pensar que o melhor Logradouro é estar em si, seja lá onde for.

OYÁ (Dú Gomide)
O Dú é um canceriano dos originais. Eu trabalho com ele há seis anos e demorei uns três para me acostumar com a sua discrição. É introspectivo, suave, bastante diferente dos meus contornos sagitarianos. Um dia, depois do ensaio no seu melhor estado canceriano de ser, o Dú só pra testar o loop que tinha acabado de comprar, como quem não está fazendo nada, nos mostrou “Oyá”. Eu lembro muito bem da sensação que tive ao ouvir. Trouxe algo que balança, que embala, com um movimento suave, bonito, bonito demais. Nas palavras do próprio compositor “O amor de Oyá e Ioiô é tão intenso que se eterniza nas próprias ondas do mar, num vai e vem infinito, lembrando ao mundo a profundidade do amor universal”. Patologicamente, “Oyá” chegou aos meus ouvidos e se tornou crônica. Nós nunca mais nos largamos.



CIO (Douglas Germano / Kiko Dinucci)
Glauco Solter, nosso contrabaixista, é o músico mais experiente do grupo. Toca com o Raul de Souza, com uma turma da pesada do jazz, organiza a Oficina de Música de Curitiba e muitos outros projetos. Admiro-o muito pela capacidade de organização e pelo valor que agrega às coisas que faz. Na gravação do CD, como não tínhamos arranjos escritos, as frases musicais eram feitas na hora, no estúdio, gravando já. E ver os músicos criando tudo tão fluentemente é um aprendizado sem tamanho. Às vezes o Glauco estava gravando na técnica, criando as frases na hora e nós todos sentados em volta, observando, admirando, aprendendo. Genial experiência e eu digo isso neste momento porque nessa faixa, o baixo está indescritivelmente saboroso.


Eu ouvi essa música num show no Stúdio SP. Na hora, não entendi muito bem a letra, mas guardei um pedaço na memória, procurei por ela depois, achei, baixei, ouvi e em seguida esqueci. Escolhi as 12 faixas do disco, tudo decidido, tudo certo, vem a Estrela Leminski com uma das suas incríveis pauladas. Ela só pode ser mesmo filha do Leminski. Era meu aniversário. Ela preparou salmão e arroz com geleia para comemorar. Nós estávamos na casa da Alice Ruiz, em São Paulo, reunidos numa roda espontânea, todo mundo em pé, pertinho do fogão e ela soltou: “Jana, eu não sei se posso falar, mas acho que essa música aqui (referindo-se a uma das que já estavam no repertório), tem que ser uma coisa mais mulher, mais a sua cara, mais dois pés no peito”. Quinze minutos depois, lembrei-me de “Cio” e lembrei também de como essa música bateu forte em mim, no meu cancioneiro intérprete, nas metáforas que eu tanto amo. Erotizar o amor em tempos de sertanejo universitário e Calypso é fácil.  A questão é manter a elegância. E a elegância desta música, além de si mesma, no meu modo de ouvir, vem do diálogo do contrabaixo do Glauco com o trombone do Sergio Coelho.

ARGILA (Carlinhos Brown)
Na mesma viagem, o Denis, que hoje toca nos shows (único que não vai ter uma descrição longínqua, porque ele é só coração e coração não é passível de descrição. Vê-lo tocar é um bom exercício para despertar a vontade de viver), e que tem um acervo primoroso de CDs, discos e bons livros, trouxe um punhado deles para o carro. Eu estava no banco de trás e quando aquele refrão apareceu, pensei: “como alguém pode tornar tão poético uma onomatopeia tão simples, “- êzumzumê???”. Musicalidade, pra mim, é isso. É conter o mundo dentro de uma nota no lugar certo, com um ritmo orgânico, uma pausa natural, um arranjo que a transforme em vida. Argila é elemento terra, é força, é sabedoria, é cura.

 

Ah, o que é difícil de entender na letra diz assim: uganda cubana ipanamana baiana luanda nada ruanda kinshaze manga banana. Referências Afro-Brasileiras que Carlinhos Brown gentilmente nos convida a visitar.



SE VÊ QUE VAI CAIR, DEITA DE VEZ (Junio Barreto)

Junio é o maior compositor contemporâneo da música brasileira. Sua obra é inexplicável. É de ouvir, mas também é de cheirar, de pulsar, de sossegar. É tão intenso que quando me falta o ar nesse mundo, eu mergulho dentro das canções dele, igualzinho ao meu peixe quando eu termino de limpar o aquário. Com toda a vida que contém este ar que entra e sai de mim, incontáveis vezes a cada minuto. Escolher uma música, enquanto eu sou capaz de gravar um álbum inteiro só com obras dele, foi muito fácil. Eu mais do que gosto, eu valorizo e eu me transformo enquanto as ouço. Se puder, busque a obra de Junio. Quando perceber que vai cair, pode deitar logo de vez que o mergulho é na corrente das águas do coração.



TEM PENA, VENTO (Dú Gomide)
Isso de ser brejeiro, delicado e moderno é, pra mim, um estado de alma muito precioso. Ouvi essa música uma vez na Casinha, numa roda de composição, das muitas que fazemos por aqui, especialmente no inverno, dentro das nossas casas quentinhas. Com o mesmo método de “Cio”, guardei um pedaço da letra e depois pedi ao Dú que me mandasse à gravação. Ele fez um vídeo e postou na rede social. Não fui eu quem fez, mas é tão verdadeiro que é como se fosse, o que me faz pensar que o pertencimento também pode estar em outras esferas. “Tem pena, Vento” é elemento ar, brisa, ventania, tufão. Essencial ao movimento. É o ar que a gente respira, de um suave suspiro ao olho dos nossos próprios furacões.



 

NA RODA DA SAIA VERMELHA (Janaina Fellini / Estrela Leminski)
Elemento fogo.  Impulsiona e alimenta nossa vontade e a nossa capacidade de concretização neste mundo.


Eu trabalhava em um escritório de produção e numa tarde distraída, estava escrevendo projetos, revisando orçamentos, enfim. De repente tinha alguma coisa na minha cabeça e ela queria sair. Frases prontas, palavras organizadas, como se já nos conhecêssemos. A música primeiramente se chamou “Mandala” e o verso original era assim:

Sapato de salto alto
Bem alto pro vento levar
Batom na boca do estômago
Maquiagem pra se alimentar
Seu pé de laranja doce
Fruto da fruta, quitanda de cá
Minha mão-de-obra na sua
Vôo Alto, passeio breve
Passo leve pra não machucar

A Estrela, única pessoa que rouba carinhosamente textos que ficam dando mole por aí e os veste com notas generosas para que se transformem em música, já tinha dado um sinal sobre o possível potencial que meus textos poderiam ter para este fim. Mandei a letra imediatamente pra ela e assim nasceu Na Roda da Saia Vermelha. A Estrela modificou e colocou um pedaço de letra, melodia, e o primeiro refrão que a gente pensou era alguma coisa parecida com “nem titubeia, nem...” (risos muitos). O Dú, com toda a sua generosidade, foi buscar a essência para que a composição destas duas distraídas mulheres pudesse ganhar vida.



ESTRELA DE BRILHAR (Felixbravo)
Essa música é a que provoca as manifestações de carinho mais imediatas por parte do público. Nós brincamos que “Estrela de Brilhar” não só vai tocar na novela, como vai ser o nome da novela. Com dois acordes, vem ao encontro da simplicidade sem ser piegas, com a inteligência criadora de dois conterrâneos que eu admiro muito e que contribuem ativamente na movimentação da produção musical e cultural daqui de Curitiba. O Bernardo é uma pessoa com quem eu convivo e aprendo muito. Convidei-o para gravar a própria música, não só pela beleza da voz, mas pela afinidade que temos na vida, no modo de pensar, nas crenças e na maneira de agir. É, antes de tudo, uma afinação de coração que nos une e que nós compartilhamos para além de nós mesmos, nesta faixa e no palco.


Meu pai era sanfoneiro, de uma família de imigrantes italianos. Eles têm uma história de vida dessas tristes, de pobreza, de sofrimento, e a música vem como uma forma de alívio, de satisfação, de prazer. Todas as mulheres cantam, os homens tocam algum instrumento e o repertório é de músicas caipiras, aprendidas de ouvido, recebidas como herança da convivência no interior. A primeira vez que eu ouvi a sanfona no palco, revisitei muitos fins de tarde em que ouvia esse som vindo da minha casa. Alonso Figueroa é quem nos dá esse presente, além dos teclados e de todos os botões que ele aperta pra convidar o público a visitar o fogo, a terra, o ar e a água.




DESERTO DE ALGODÃO (Dú Gomide)
O Dú fez essa música enquanto viajava de avião. Sabe quando você olha a janela e vê as nuvens branquinhas, como se fosse um deserto, só que de algodão? Um peixe não tem vontade de voar, nem um passarinho de viver na água. O homem é que vive para satisfazer seu ego e suas vontades imediatas, e não pensa nas consequências que estes atos podem ter ao longo do tempo, para si e para os outros. O Dú disse: “o homem perde tanto tempo e destrói tantas coisas para construir um avião e voar, sendo que poderia ganhar tempo construindo sua própria consciência, e desenvolvendo aptidões que o permitam voar sem nenhum aparato, apenas por si só”. Mas isso é uma discussão muito profunda, sobre evoluções que não estão escritas nos nossos livros da escola.


O arranjo traz, pra mim, uma referência de sons orgânicos e sintéticos, que vão crescendo em camadas, como a evolução da humanidade que, nos primórdios, estava confortavelmente vivendo com o compromisso de satisfazer suas necessidades básicas, como se fosse uma única camada. Hoje estamos no extremo oposto, com inúmeras necessidades que, reais ou não, fazem com que as nossas ações sejam tantas e tão rápidas que a vida passa na tangente do caos com muita facilidade. Sergio Monteiro Freire no Sax barítono e tenor. Fela Kuti nas nossas vísceras.

ELO (Alice Ruiz / Estrela Leminski / Flavio Alves / Téo Ruiz)
Uma letra breve, com melodia e harmonia muito simples, mas que, ao ouvir, se transforma em uma das faixas mais complexas de se executar nos shows. “Elo” nasceu e cresceu com o arranjo que ganhou, e descreve com exatidão o que aconteceu conosco neste trabalho. “Verdade é preciso sonhar / Beleza pra se acreditar / Verdade, é preciso sonhar / E o novo pra se reinventar”. “Elo” é o que faz com que eu esteja agora escrevendo estas palavras para que você leia. É o que conecta, liga, entrelaça com isto ou aquilo e, às vezes, com tudo ao mesmo tempo. O Gayatri Mantra, citado no final da música, é o mais venerado mantra no hinduísmo. É uma oração universal de proteção. Eu já encontrei muitas traduções, mas gosto de uma que diz:

Ó deus da vida que traz felicidade
Dá-nos tua luz que destrói pecados
Que a tua divindade nos penetre
E possa inspirar nossa mente

E que assim seja!



TESOURO DO CÉU (Fernando Lobo)
Eu sempre catei conchas. Quando era criança, morava a 500 km da praia. Ia uma vez ao ano e voltava abastecida de conchinhas. Ficava muito tempo com o abajur ligado olhando cada uma delas, suas particularidades, cores, formas. Uma paixão de criança. Hoje eu continuo tendo muitas conchas, mas as cato poucas vezes. Também não sabia que meu nome era um nome de Iemanjá. Em Vitorino, onde nasci, não tinha acesso a esse tipo de informação. Foi só depois de mais velha que eu descobri a conexão e achei fantástico o meu amor tão nato pelo mar e pelas conchas, sendo que o nome que eu recebi dos meus pais representa uma figura das águas. “Tesouro do Céu”, além de ser uma composição de uma pessoa muito querida e que trouxe muitas referências para a sonoridade do álbum, é minha singela reverência ao elemento água, à mãe Iemanjá, a quem agradeço pelos caminhos abertos.
Odoyá!

SEI DOS CAMINHOS (Alice Ruiz / Itamar Assumpção)
Essa música tem um segredo entre os 46 e 48 segundos. Quem descobrir antes de terminar de ler o texto ganha uma faixa do próximo álbum para mixar.



Estrela Leminski, Téo Ruiz e Bernardo Bravo são pessoas que me fornecem muito material de pesquisa e de vida. Por causa deles conheci os mineiros, a musicoteca, e grande parte circuito off e independente que alimenta e é alimentado por quem ainda consegue manter alguma identidade nessa formatação de sociedade de consumo de cultura rápida e superficial. Eu estava na casa do Téo e da Estrela e eles faziam mais ou menos assim: “leva esse aqui, aquele lá... Téo, cadê aquele nãnãnã. Ah, Estrela acho bom também a Jana levar esse e esse e mais esse e esse aqui”. E 

ganhei um CD-R (não sei se posso contar isso aqui) de músicas, à época, inéditas da Alice com o Itamar. Gravações simples e geniais. Alice é uma mulher de palavras universais. Tem tudo para todos os gostos e seu traço, em minha opinião, é regido e balizado unicamente pela sua perspicaz sensibilidade. Itamar tem tudo o que é dele – muitos de nós não temos permissão para ter, de fato, tudo o que é nosso. Itamar se serve desse universo abundantemente, para o amor dos que são de amar e ódio dos que são de odiar. “Sei dos Caminhos” veio desde o show “Vai menina, vem sereia”, embrião deste CD, e foi naturalmente ficando.


Na gravação, ganhou um arranjo novíssimo, que eu ouço quando vou para a praia, para a cachoeira, para um lugar de descanso. Foi o Glauco quem criou a frase que percorre o arranjo e que me dá essa sensação de liberdade. O solo de guitarra do final da música é o meu predileto de todo o CD (isso sim, eu não poderia contar aqui).


Quem assina a mixagem do álbum é o Fred Teixeira, um grande amigo nosso que, à época, tinha acabado de chegar de Londres. Vinha cheio de recursos e ideias, e encontrou o álbum também prontinho para recebê-las. Teve total liberdade para interferir na sonoridade e fez isso em grande parte das faixas, inclusive com efeitos tão sutis que eu mesma demorei muito para ouvir e com certeza com outros que eu nunca ouvirei. Nesta faixa, especificamente, ele contou até cem, como disse a letra, comprimiu a gravação e entre os 46 e 48 segundos, há um efeito que é resultado dessa contagem, tá ouvindo?

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