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FAIXA A FAIXA
ARTISTA: CLAUDYA
DISCO: SENHOR DO TEMPO, CANÇÕES RARAS DE CAETANO VELOSO


Década de 70 fervilhando. Nas ondas sonoras dos rádios, nos sons e onde mais fosse possível, uma voz de mezzo-soprano entoava, quase que extirpando, os seguintes versos: “deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar”. Tratava-se de Maria das Graças Rallo.  Não, não era mais uma Maria. Não era qualquer pessoa. Não era mais uma cantora que seria varrida pelo tempo. Era Claudya (atualmente ela assina assim o seu nome artístico).



Natural do Rio de Janeiro, Claudya cresceu em Juiz de Fora (MG), onde aos nove anos participou de um programa de calouros da Rádio Sociedade. Aos 13, começou a atuar como crooner do conjunto “Meia-noite”, responsável pelos bailados que agitavam essa cidade do interior de Minas na época.



Depois de um começo precoce no mundo da música, Claudya resolve ir para São Paulo, já tendo em mente que o seu lugar era nos palcos, cantando. Participou do maior programa da época, “O Fino da Bossa”, na TV Record. Nesse mesmo programa recebeu uma proposta do jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli convidando-a para fazer um show com o descarado título “Quem Tem Medo de Elis Regina”. E recusou. Não o faria de jeito nenhum. Elis Regina contra uma cantora até então iniciante, seria justo?

Claudya não queria competir e muito menos se envolver em atritos desnecessários. Faria o show, só que com o nome “Claudya Não se Aprende na Escola”. Questionada pela própria Elis Regina a respeito dessa situação durante o programa, Claudya em vão tentou se explicar. Mesmo assim foi acusada por uma imprensa acomodada, sendo jogada aos leões.



Você deve estar se perguntando: “por qual motivo esse maluco começou esse texto falando da década de 70 e depois fez uma breve, bem breve biografia dessa cantora?”. Muito simples: antes de tudo, datas representam apenas acontecimentos ou fatos específicos na vida de uma pessoa. Um dos objetivos de uma cantora que se preze é emocionar a plateia. Claudya o faz com maestria. Conclui-se que a emoção não obedece as certezas das datas. Quem escuta Claudya se perde no tempo.



O Mangusto é o único mamífero do mundo inteiro que é capaz de sobreviver ao veneno das cobras. Alusivamente, Claudya é esse animal que sobrevive não ao veneno da cobra, mas a todos os capangas adestrados da indústria fonográfica, detratores e quem mais quiser calar essa voz que faz muitas cantoras repensarem se devem seguir nesse ofício. Chega a ser paradoxal terem tentado calar, e por mais que ainda tentem, essa que é uma das cantoras mais premiadas fora do Brasil, que imortalizou Evita, a primeira dama da Argentina, em sua montagem tupiniquim. Que gravou mais de 20 discos. E o mais importante de tudo: que apenas quer seguir cantando.

Regina Echeverria, escritora da biografia “Furacão Elis”, acusou Claudya de derrubar de propósito Elis durante um show. Como se não fosse o bastante, Claudya foi sendo pouco a pouco banida do mercado fonográfico. Seus discos não rendiam. Os shows escassearam. Só que ao invés de se calar e desistir, o canto de Claudya a fez sobreviver. Os ouvintes não a abandonaram, principalmente os gays, afinal, “cantora sem fã gay a carreira não decola”. Os ouvintes a esperavam. Faltava essa cantora. Nós a queríamos e queremos.



Deixem a Claudya cantar. Deixem-na continuar delineando a história da música popular brasileira na sua voz. Ela precisa demais disso, como um desabafo. Afinado, vale ressaltar.




“Senhor do Tempo – Canções Raras de Caetano Veloso” foi lançado no ano passado (2011). É a volta de quem nunca se foi. Música não é competição, mas esse disco é melhor do que 99% dos discos lançados na mesma época. Claudya não entrou nessa para ser a melhor. Está entre as melhores como consequência de um talento que nasceu com ela. Se as divas ainda existem, Claudya está entre elas.



A seguir você confere um "faixa a faixa" escrito por ela mesma desse seu último disco. Apreciem:

Canções raras de Caetano...



Gravar Caetano é sempre uma grande alegria, como o foi nos anos 70, quando gravei duas canções do grande compositor:  “Esse cara” e ‘Como dois e dois são cinco”, ocasião em que as duas figuraram nas paradas de sucesso da época.




A ideia partiu do produtor Thiago Marques Luiz, que foi executada por Zé Pedro e a gravadora “Joia moderna”.



Pensei em dar uma cor diferenciada as canções de Caetano, que naturalmente se inclinavam para o lado jazzístico.



Pensando bem, achei que poderia dar o formato propriamente dito e junto com os arranjadores, opinei quanto às concepções das seguintes músicas: “As várias pontas de uma estrela”, “Menino Deus”, “Pele”, “Senhor do tempo” e “Duas Manhãs”, em que Alex reedita Bill Evans na forma harmônica.



MARIA MARIA (Caetano Veloso e Capinan)




Sugerida pelos produtores, gravada por Maria Bethânia, e que eu praticamente não conhecia. Música teatral, densa e que conta a história de muitas Marias sofridas. Estudei a letra e a melodia, para uma interpretação vigorosa, já que a letra forte pedia que fosse esse o caminho. O arranjo do jovem guitarrista Rovilson soou moderno, para um caminho misterioso, enquanto os tambores passeavam na história e ressoavam no tempo.



NAQUELA ESTAÇÃO (Caetano Veloso)




Possivelmente a melodia mais conhecida do CD, gravada nos anos 90 por Adriana Calcanhoto. Ganhou uma roupagem nova, em arranjo com cordas escrito por Daniel Bondaczuk. Ganhou uma dimensão jamais pensada até pelo próprio autor. Uma cor magnífica. Uma nova canção surgia.



 

AS VÁRIAS PONTAS DE UMA ESTRELA (Caetano Veloso e Milton Nascimento)

Na reunião com Alexandre Vianna, expus o desejo de se fazer um disco jazzístico, bem diferente dos que já foram feitos com o autor. O músico se empenhou, e dei a ideia de arranjo nos moldes de "Eleanor Rigby" na levada, com uma introdução aos moldes de Chick Corea. A música é muito lenta e achei que poderia ter  um andamento diferente em determinado momento. Ficou espetacular com arranjo de cordas escrito por Daniel, que nos remete imediatamente a um vôo de pássaros ou de duas pessoas, conforme a letra nos descreve. Uma nova melodia que ganhou força com o arranjo arrojado e o empenho de maestros jovens e talentosos.



LOUCO POR VOCÊ (Caetano Veloso)

É uma canção bastante interessante, aos moldes de ‘This Mascarade” de Leon Russel. Decidimos que teria uma levada de bossa-nova, bastante sutil, assim como a sutileza da letra e da guitarra do jovem arranjador. Foi sugerida também pelos produtores.

SENHOR DO TEMPO (Caetano Veloso e Milton Nascimento)

Ganhou um colorido diferente com o arranjo do Alex e algumas ideias minhas de concepção. A canção que dá título ao disco, bastante difícil de interpretar, foi sugerida por Zé Pedro. Não conhecia a melodia, mas me encantei com um tema que fala do tempo, que tudo resolve, que coloca as coisas em seu respectivo lugar, falando da presença de Deus de uma forma sutil.

 

 

 




 

AMO-TE MESMO MUITO (Caetano Veloso)

Pra mim, a mais desconhecida. Foi gravada por uma cantora chamada Aline, nos anos 70. Decidimos eu e o arranjador Rovilson que seria uma valsa, com a sugestão do Thiago, de se usar apenas guitarra e voz, cantando apenas uma vez.
Uma bela melodia, com um gráfico musical difícil e com um questionamento. Amo- te mesmo muito será?

SAMBA EM PAZ (Caetano Veloso)



Música feita por Caetano nos anos 60, um samba médio, que fala sobre a esperança de um canto livre. Vivíamos um tempo difícil, em que as palavras eram controladas, um grito contido, um canto escondido. Sugerida por Thiago Marques. O samba vai crescer, quando o povo perceber que é o dono da jogada. O samba vai crescer, pelas ruas vai correr uma grande batucada. Samba não vai chorar mais, toda a gente vai cantar e o mundo vai mudar, e o povo vai cantar um grande samba em paz.



PELE (Caetano Veloso)



Gravada por Bethânia, com letra muito interessante e ousada. Decidi que seria realmente jazzística na expressão plena do termo, com Improvisação sobre o tema, que foi executado por Alex Vianna, que fez o arranjo e tocou na gravação. Os músicos que gravaram são todos muito talentosos e conseguimos uma uniformidade de som bastante interessante. Usamos contra-baixo acústico, que deu um toque requintado e sofisticado ao  trabalho. Usamos também piano acústico em todas as faixas. É um disco para não se cansar de ouvir. Com uma ressalva de que é incrivelmente moderno e sempre será. Diria que é um disco de cabeceira.

LUZES (Caetano Veloso)



Não conhecia realmente essa música. Foi gravada pelo grupo “Nouvelle Cousine”. Bastante difícil, em cromática todo o tempo. Uma canção mais instrumental do que propriamente para voz. Foi sugerida por Zé Pedro e gostando muito de desafios, resolvi gravar. Ficou maravilhosa. O arranjo primoroso do Alex com a participação irretocável do grande músico Ubaldo Versolato, ganhou a cor das ruas, das noites misteriosas. Ganhou com os acordes dissonantes à cor da solidão, do vazio. Uma música com um clima bastante denso, mas maravilhosa em toda a sua complexidade musical e dramática.




JOSÉ (Caetano Veloso)



Música composta em homenagem ao pai falecido sugerida também por Zé Pedro. A letra é absolutamente de uma inteligência fora do comum quando para cantar a tristeza e a perda. Diz: “Estou no fundo do poço, meu grito risca o céu seco. O tempo espicha, mas ouço o eco. Qual será o Egito que responde e me esconde no futuro? O poço é escuro, mas o Egito resplandece no meu umbigo e o final que vejo é esse de um fado certo, enquanto espero, só comigo e mal comigo no umbigo do deserto”. Essa esplêndida canção foi acompanhada apenas por um contra baixista chamado Renato Loyola, também sugerido por Zé Pedro.




MENINO DEUS (Caetano Veloso)

Uma das músicas conhecidas desse trabalho. Decidi que seria uma valsa jazz. Usamos um flugel horn no final improvisando, enquanto eu fazia as frases em resposta ao instrumento. Ficou majestoso, leve, mas ao mesmo tempo com uma grande musicalidade.



DUAS MANHÃS (Caetano Veloso)

Música em ad liptum só voz e piano. Dei a ideia ao Alex para reeditar aí o grande músico Bill Evans, na forma harmônica, do qual sou grande admiradora, e com o qual estive, quando veio ao Brasil e com o qual quase trabalhei se não houvesse um grande deslize por parte de alguns empresários que já não estão por aqui. A música ficou grandiosa e é uma das minhas preferidas.

Para conhecer melhor o trabalho da Claudya, acesse:



http://www.facebook.com/claudya.deoliveirarallo

 

http://claudya2010.blogspot.com.br/

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