top of page

Angélica Rizzi

Angélica Rizzi é cantora, compositora, poetisa e escritora. Natural de Estrela, Rio Grande do Sul, exerce todas essas funções no seu sentido mais primário. É uma mulher que faz o seu próprio tempo. Exerce sua arte independente das “ondas de mercado” previsíveis. Sinestesia talvez seja uma palavra que possa definir o encontro com o seu trabalho: escutando-a, nos sentimos íntimos da Itália sem nunca ter ido a esse país; os livros funcionam como uma academia para o cérebro (bem melhor do que malhar o corpo) e também despertam cheiros de situações que lembram acontecimentos de nossa própria vida. As poesias tem gosto de recordação guardadas em lugar cativo do nosso coração.

É muito bom se envolver com um trabalho onde você pode invadi-lo jogando-se de cabeça nele.

 

 

Tudo que sai do processo de feitura artística da Angélica funciona como um convite onde existem três pessoas: Angélica, a arte e você. Ela rompe com a imagem errônea de diva inalcançável. Provoca uma unidade onde todos querem provar da arte o que ela tem de mais íntimo.



Na entrevista a seguir, Angélica fala de sensualidade na música brasileira, revela as cantoras que escuta, mostra suas referências no que diz respeito a fazer arte e a inspiração para concretizá-la. E muito mais coisas. Só que ela ainda não percebeu (independente de tudo o que disser) que para conhecê-la, o seu trabalho é uma porta sempre aberta para os que procuram preencher uma possibilidade de vazio que essa vida pode ter.

 

Seu disco “Águas de Chuva”, já apontava uma cantora cuidadosa com seu repertório. A releitura de dois temas distintos é bem interessante: “Canos Silenciosos” (Lobão) e “Nas Curvas da Guitarra” (poema musicado pelo Jottaga do Froid Explica para um poema do Fabrício Carpinejar). Quais os motivos dessas duas músicas terem entrado nesse disco?



















O disco Águas de chuva de 2008 tem catorze canções das quais onze são de autoria própria.

A música "Fica comigo" foi minha primeira composição em parceria, e nas duas releituras apresentadas, "Canos silenciosos" e "Nas curvas da guitarra", homenageio Lobão e Fabrício Carpinejar no enfrentamento do compositor- cantor em mares nunca dantes navegados com o desafio de interpretar e recriar canções de outrem. E por que não artistas que eu admiro e que foram meus ídolos nos anos 80:” Lobão foi um deles”..

A verve irreverente do cantor e compositor carioca e a poesia singela, mas controversa de Carpinejar enriqueceram o repertório do meu disco.

Nota: aprendi com a poesia de Camões e a sacanagem de Bukowski a escrever letra de música e a reverenciar minhas musas inspiradoras através da música.



A capa do disco “Angélica Rizzi a Italiana” tem uma foto sua bastante sensual. Parece que as cantoras contemporâneas tentam suprimir esse lado. Fazer fotos sensuais pode contribuir para que uma cantora “não seja levada a sério”?






















A musa da Bossa Nova, isso em meados dos anos 60 – lembra da doce e sensual Nara Leão? Já arriscava algumas poses de pin-up ao se apresentar nos grandes Festivais de Música Brasileira, que revelaram muitos dos compositores que ainda reverenciamos neste século. Rita Lee era ardente,moleca, a frente dos mutantes foi a Lolita de Nabokov personificada, pois acredito que todo artista quando ganha o palco se transforma. O erotismo está em toda parte e já se encontrava gravado no mais antigo texto ocidental sobre erotismo que já foi publicado sobre o tema: o “Banquete de Platão”.



Nesse disco, você canta músicas típicas italianas. Poucas cantoras no Brasil fazem isso, como Zizi Possi fez, por exemplo. O que te levou a fazer um disco com essas músicas?​



Sou neta e bisneta de descendentes de italianos. Além da mesa farta regada a vinho e delicias da gastronomia da terra de Dante, também cultuávamos as canções dialetais do Norte-Província Independente de Trento, terra que meu bisnonno Cornélio Rizzi atravessou para chegar aos doze anos cheio de sonhos e aspirações..


Como você equilibra suas composições próprias com repertório alheio nos seus discos? Sentes vontade de fazer um disco inteiramente autoral ou um só com regravações?

 

Gosto de buscar inspiração em outros artistas da arte das palavras e sempre procuro fazer um trabalho com composições autorais mescladas com canções de "cantautores" que admiro. Por exemplo, adoro Elvis Presley, amo Fernando Pessoa e sempre bebi da fonte da poesia para criação de textos para composições literárias; já transformei muitos poemas próprios em canções e mini-contos em crônicas. O universo dos livros sempre foi muito vívido em mim desde a infância. Acredito que meu trabalho musical sempre será recheado de canções próprias e matizes musicais de outros compositores com nuançes poéticas...



Outro disco seu, “Acústico Trentino” remete a um tempo de delicadeza, como se o repertório fosse cuidado da mesma maneira com que uma mãe cuida do seu rebento. Como nasceu esse disco?

























O CD "Acústico Trentino" na verdade foi meu debute fonográfico. Eu já tinha alguns singles mais, este disco veio da ideia de fazer um trabalho cultural pelo Circulo Trentino de Porto Alegre do qual faço parte da diretoria de cultura. O disco, além de canções folclóricas italianas em versão pop e ritmos brasileiros, mescla canções românticas italianas de minha autoria. Foi como confeccionar um bom vinho tinto seco das videiras do meu nonno Candido Rizzi e presenteá-lo as minhas raízes maternas. Foi como cristalizar e eternizar flashes da minha infância.



Você começou a sua carreira na sua cidade natal, Estrela (RS). O que recordas dessa época? Como era a artista multifacetada Angélica Rizzi – compositora, poeta e cantora?


Eu sempre fui muito inquieta e acredito que a arte contribuiu para que eu conseguisse extravasar toda essa energia.Tinha minha irmã gêmea para brincar e me acompanhar nas pequenas travessuras do cotidiano, a música sacra na escola, os livros da biblioteca, as peças que escrevia para após dirigir e encenar no pequeno e tímido palco do colégio.

O meu viés de mundo, o meu modo de pensar sempre foram de poeta. Uma poeta que aprendeu a nadar na musicalidade de um poema e após quis cantar.​



Por ter ascendência italiana, sinto que gostas de homenagear, por assim dizer, a Itália. Fazer discos com temáticas específicas, nesse caso, com repertório de determinado país, não é uma proposta que pode enfrentar certa resistência num Brasil acostumado com cantoras muito populares, que cantam melodias fáceis, bobas e assobiáveis?


A arte existe para celebrar a cultura dos povos e nasceu para ser uma ponte entre as nações. O artista é o porta voz e cabe a ele ser a voz que guia na escuridão, o farol que sinaliza as embarcações, a bandeira de paz e a memória de um país. A resistência em não conhecer a língua ou a arte de um país ou um lugar. O artista com sua sensibilidade e delicadeza atravessa oceanos, derruba muros, e faz com que sua história seja cantada por gerações. Beatles ainda tocam em ipads, existem em vinis, e Chico Buarque não faz somente shows para terceira idade. O mundo se renova, e tudo se reinventa a cada dia, tanto nas mídias digitais quanto na música, na poesia, seja ela em espanhol, francês, inglês...


 

 

O seu trabalho com poesia acaba respingando (de forma benéfica) em suas composições. Dá para separar uma coisa da outra?

A minha criação artística sempre nasceu do texto, da palavra oralizada, de um verso de um poema. E desde meus sete anos eu continuo bebendo da fonte da poesia e continuo lendo Quintana, degustando BobDylan assim como o galês Dylan Thomas, entre outros... Eu nasci poeta, e descobri na essência da poesia a música...



Escrevestes um livro infantil chamado “Manoelito – O Palhaço Tristonho”. Hoje em dia, as opções de leitura para esse público são cada vez mais escassas. O que a levou a escrever um livro para as crianças?


Na verdade, estou lançando o terceiro livro infantil este ano na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre. Após Manoelito eu lancei em 2010 "Sol e as ovelhas" que fala da importância da musicalização na infância. Tem escrita de sinais para surdos (sign writing), ilustrações para pintar e linguagem em inglês. O terceiro segue um formato diferente mais simples, somente com ilustrações e o texto explicativo, e fala de uma ciência e da importância de brincar e estar perto de quem amamos.

Nota: Eu comecei menina a apreciar os livros. Aprendi com Monteiro Lobato a descrição de um ambiente e a verosimilhança que provoca o efeito visual no leitor. Aprendi que essa riqueza de situações, o lúdico e a inocência deste estilo literário, mais a proximidade com o público infantil são fonte de grandes descobertas para um cantor-escritor, isto é, os pequeninos nos ensinam sempre, cabe ao artista estar sempre vivenciando e observando a vida.

As pessoas são sua maior riqueza, e as crianças um tesouro, para que sua obra perdure e continue sendo um canal com seu público leitor.




A “Coleção Arco-Íris Poética” engloba cinco livros que tratam da paixão, sentimento complexo e ambíguo. O que a paixão lhe ensinou que a levou a escrevê-los?


Aristóteles definiu a paixão como o que move, o que impulsiona o homem para a ação, e ela pode ser seguida de dor ou prazer. Este sentimento foi o que sempre nutri pela arte das palavras, os livros, a música, o cinema. A paixão está em toda parte, nos olhos dos enamorados, nos gestos de uma mãe com seu filho no colo, na voz do cantor que interpreta suas canções,e pode ser um ideal para toda vida.

Nota: A paixão de John Lennon pela sua amada Yoko Ono despertou composições musicais sem seu parceiro Paul; o surreal pintor Salvador Dali dedicou parte de sua obra a musa e esposa Gala; a união de Sartre & Simone, que viveram o "amor necessário" que os uniu por 50 anos, criaram sua própria filosofia para viver esta paixão.

-Viver apaixonado por si mesmo, pelas pessoas que estão a nossa volta, em tudo que acreditamos.



Exercer duas profissões difíceis no Brasil, poetisa e cantora, não é tarefa das mais fáceis. As dificuldades que ambas tem fizeram com que você cogitasse desistir delas?



Reflito e questiono a cada dia qual o verdadeiro caminho do artista além do palco e do ideal de viver para sua arte. O escritor alemão Hermann Hesse já dizia: que queria ser poeta ou nada; o poeta tcheco Rainer Maria Rilke como conselheiro do seu jovem discípulo na obra Cartas ao jovem poeta escreveu:(....) “investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo:

 pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. (...).

-Tenho lido o excerto deste livro todos os dias, e a cada momento me convenço que esta é a minha sina e tenho tentado construir a minha vida de acordo com esta necessidade!

Outro livro seu, o “Clube dos Solitários”, como o próprio nome diz, fala do sentimento de solidão. Todo artista se sente só? Como surgiu a ideia para escrevê-lo?​​

​

​

​​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​


A obra "Clube dos solitários" é uma trilogia.Estou finalizando o terceiro volume – e faz parte de uma homenagem aos poetas que também serviram de inspiração para minha carreira artística – a geração beat: leia-se Jack Kerouac; Gregory Corso; Allen Ginsberg, entre outros.

Estes poetas buscavam a solidão voluntária e como a própria palavra "beat" com o significado do idealizador do movimento – a beatitude! Para quem leu "On the road" este sentimento está em toda parte. Pode ser uma fuga da urbaneidade, dos tempos modernos, mas todos nós precisamos destes momentos solitários para mergulharmos no nosso eu, questionarmos nosso id e enfim, encontrarmos a nossa verdadeira essência. As vezes, me parece que o homem esquece que também possui alma, ânima e precisa alimentá-la, e a solitude nos permite isto.​

​

​​Indo na esquina comprar pão já é possível avistar uma nova cantora. Quais cantoras brasileiras você tem escutado e gostaria de nos indicar?​​


O artista está em toda parte e as mulheres, a medida que os tempos foram mudando com a revolução sexual que aconteceu nos anos 1960, ativada pelo surgimento da pílula anticoncepcional, passaram a ocupar seu espaço e estão lado a lado com os homens, e na música isso não foi diferente. Já no passado, a ocupação da mulher resumia-se sobretudo à sua função de cônjuge, mãe e dona de casa. Sabe-se que uma das mais importantes compositoras de todos os tempos foi da Idade Média, chamava-se Hildegarda, era natural de Bingen, além de monja beneditina também era mística, filósofa, e escritora. Neste século acredito que o número de cantoras no Brasil não é diferente do de juízas, delegadas, escritoras, professoras, taxistas, etc..

As cantoras contemporâneas que eu aprecio são:

Fernanda Takai; Marisa Monte; Mirianês Zabot; Karine da Cunha; Norah Jones ,além das renomadas Rita Lee; Elis Regina; Rosa Passos; Billie Holiday..​

​​

​​​​O que podemos esperar de você agora: disco novo, livro novo, shows? Planos? O que vem por aí?​


Estou lançando dia 30 de outubro meu terceiro livro infantil; e na primeira semana de novembro realizo mais um "Sarau Poetas Iluminadas" em homenagem a Janis Joplin; após faço um outro Sarau na feira sobre a poesia cubana, continuando é claro, o trabalho com a banda, pois acredito que sai um novo disco em 2013. O trabalho segue com composições próprias sob direção musical de Fernando Spillari, além de outras releituras de compositores contemporâneos e os que fizeram parte do movimento Tropicalista, além da canção de trabalho "Seven Days in Nicarágua", onde mais uma vez homenageio o movimento de contracultura intitulado movimento beat, ou para os mais moderninhos: Beatnik.


 

 

Deixe o seu comentário:

Angélica Rizzi

bottom of page